José Régio faria hoje anos, 112, mais exactamente.
Em Portalegre Cidade do Alto Alentejo cercada…, o dia é evocada no pretexto que a Fundação Robinson lhe dedica, inserido na comemoração da data de nascimento daquele que foi um seu patrono espiritual: George Wheelhouse Robinson. O 17 de Setembro é, também por coincidência, a data de nascimento de outra notável figura, esta contemporânea, o prof. Aurélio Bentes Bravo. Por mera curiosidade, dos três, o único verdadeiramente portalegrense é… o “inglês”!
[um abraço daqui de longe para o Bentes, com votos de longa vida e também para o Fonte Nova]
Aqui, no blog que tem Régio como uma das figuras tutelares, também o dia não passa despercebido.
Escolhi para o efeito uma sua entrevista, pouco conhecida, onde o autor fala sobretudo de teatro, tema da sua especial predilecção. Encontrei-a num antigo exemplar da Flama, relativo a 9 de Agosto de 1968, há mais de 45 anos e a pouco mais de um ano da sua morte. Poderá portanto ser esta uma das últimas declarações públicas de José Régio, com excepção, talvez, de uma entrevista registada em filme e transmitida pela RTP.
Nem valerá a pena comentar as declarações do dramaturgo, que falam por si próprias. De anotar o facto de a entrevista ter sido conduzida por Goulart Nogueira, figura ligada a intensa actividade cultural. As fotografias, para além do belo retrato de Régio, mostram-no (à direita) com dois poetas, ao tempo da “nova geração”: Sebastião da Gama e Cristovam Pavia. À esquerda-centro, com Teixeira de Pascoaes (da geração de “A Águia“), e alguns presencistas: Fausto José, Casaes Monteiro, Alberto de Serpa e Saúl Dias (o seu irmão Júlio).
Evocando os 112 anos do imortal José Régio, aqui fica, pois, mais uma sua presença viva.
Ainda há pouco tempo, conversando com um dos mais representativos poetas portugueses jovens, Cristóvam Pavia, concordávamos em que, entre os três nossos melhores poetas contemporâneos, estavam Fernando Pessoa e José Régio. O altíssimo valor, não diminuído nem desgastado, da obra de Régio é, aliás, confirmado pelos críticos e pensadores que, realmente, possuem competência, penetração e saber, pelo público que continua a admirá-la, pelos poetas que o não são de momento, isto para além dos ataques impotentes e dos interesses inconfessados com que alguns plumitivos pretendam esvaziar e “desactualizar” o que eles não atingem.
Aproveitando a passagem do Poeta por Lisboa, e a propósito da representação da peça “Jacob e o Anjo”, recolhi o testemunho de José Régio, sobre Teatro, nalgumas respostas a perguntas breves.
– Quais foram as suas impressões do espectáculo com “Jacob e o Anjo”?
– Evidentemente que me agradou. De um modo geral, fiquei satisfeito, pois acho que foi um espectáculo digno. Verifiquei que conseguiu impor-se ao público. E deu-me, afinal, uma das maiores satisfações de homem de Teatro. Aliás, as peças escrevem-se para ser representadas e, quando elas não resultam num fracasso, quando há uma realização de bom nível, o autor sentir-se-á, naturalmente, compensado, especialmente se a obra esperou tantos anos para subir ao palco.
– Que reflexões e que lições lhe advieram, ao ver em cena esta peça?
– Notei, como já tinha notado ao ver no palco “A Salvação do Mundo”, que certos cortes nada afectam o essencial. E notei, ainda, outra coisa bastante interessante: Quando a peça foi publicada, acusaram-na de ter figuras demasiadamente simbólicas, sem vida. Pois ao vê-la, agora, verifico, com júbilo, que, além do aspecto simbólico que possuem, as personagens são vivas, com possibilidades psicológicas. Até o próprio Anjo dá essa impressão. Sempre tenho dito que insistem, por demais, no aspecto simbólico do meu Teatro, como que querendo desincarná-lo. Eu sustento o seu aspecto realista e acho que valeria a pena estudá-lo ou considerá-lo sob esse ponto de vista. Aqui, nesta peça, há, por exemplo, um drama conjugal, e não existe só a luta entre Jacob e o Anjo.
– Qual é a intenção fundamental desta obra?
– Eu diria que qualquer peça minha tem duas ou três intenções fundamentais. Eu mesmo não as sei esclarecer por completo, às vezes, mas, quando não são plenamente conscientes, elas estão vivas e reais no subconsciente. A base de «Jacob e o Anjo» é a luta entre a carne e o espírito ou entre a vida do mundo e a vida eterna. A perda voluntária ou quase involuntária dos bens do mundo para conseguir os bens espirituais, eis uma linha directriz ou um ponto propulsor de “Jacob e o Anjo”.
– E qual a sua peça preferida?
– Eu tenderia a dizer que é “Benilde ou a Virgem Mãe”; mas não ouso. Qualquer peça minha representa um certo aspecto meu, um certo aspecto da minha obra teatral, cada uma o representa conforme a sua própria natureza.
– Tenciona continuar a escrever Teatro?
– Tenciono. Tenho sempre tencionado. Nunca desisti. Várias vezes disse e repito que se as minhas peças fossem representadas com maior frequência, se elas fossem representadas normalmente, eu teria escrito muitas mais. Se há uma carreira que sonhei seguir, foi a de homem de Teatro, aquela que mais me aparece como aquela que gostaria de seguir. No entanto, as dificuldades tiveram influência na interrupção ou na menor assiduidade. Este espectáculo recente veio contribuir para eu realizar as três ou quatro peças que trago na cabeça.
– Quais são? Pode-se saber?
– Nem sei, ainda, se escreverei estas ou outras. Acontece-me andar a pensar numa e surgir-me, depois, outra ideia que me apaixona. “Benilde” foi escrita em uma semana e andou anos e anos a germinar. Enfim, direi, ao menos dois títulos, o que já será alguma coisa… Acho que avançar mais tiraria certo mistério necessário à obra em gestação; e talvez corresse o risco de precipitar interpretações incorrectas. Uma das peças chama-se “Judeu Errante”; a outra chamar-se-ia “O Caminho Difícil”.
– Considera que o Teatro é verbo ou espectáculo?
– Para mim, o verbo em Teatro é espectacular, faz parte do espectáculo. A minha linguagem teatral obedece a íntimas tendências teatrais; obedeço ao senso rítmico, corto falas por me parecerem insignificativas ou simplesmente literárias, ponho outras por me parecerem que aumentam a expressividade. Em “Jacob e o Anjo”, por exemplo, o Duque intervém mais pela necessidade teatral, pela tentação de usar as suas falas espectacularmente, como elemento de Teatro.
– Há um Teatro especificamente português?
– Considero que existem, pelo menos, muitos sinais disso, embora as realizações sejam poucas ou não sejam de superior nível.
– Quais as características de um Teatro português?
– Embora a resposta exigisse mais longa explanação ou reflexão, eu diria que são estas: o lirismo, a sentimentalidade (num sentido superior ou digno do termo; o lirismo não é vergonha, como hoje se diz por aí); um senso do cómico, de certa maneira particular; um certo misticismo que não nega um realismo espontâneo ao qual costumo chamar a tendência para a natural observação.
– E em que obras encontra esses traços?
– Especialmente no Teatro de Gil Vicente, no Teatro popular, em Garrett, D. João da Câmara, Raul Brandão, certas peças de Alfredo Cortez, nas produções dos nossos comediógrafos mesmo nos menores (Gervásio Lobato, André Brun, etc), em Bernardo Santareno e Tomaz de Figueiredo, em certas obras não destinadas ao Teatro (como algumas de Eugénio de Castro e Teixeira de Pascoaes e como “A Pátria”, de Guerra Junqueiro), em rábulas e outras passagens de algumas revistasque são um Teatro português bem meritório.
– Qual a sua opinião sobre o Teatro de vanguarda?
– Em princípio, aplaudo todo o Teatro vanguardista. Comecei por considerar que a minha obra também o era. Mas tenho muito pouca simpatia pelo vanguardismo, como moda ou exigência que se inclina para uma espécie de exclusivismo. Dentre o Teatro de Vanguarda, teria de censurar Ionesco ou Beckett que não me causam a admiração que me provocam os grandes autores do século passado.
– No entanto, um Teatro simplesmente moderno, um Teatro de hoje, que impressão lhe traz?
– A mim, a de uma originalidade que é impressão de frescura. Há uma tendência para viver as formas primitivas de Teatro, através de uma sensibilidade moderna; tendência (poderíamos falar em Gil Vicente) para formas essenciais (e, nisso, primitivas; um Teatro religioso, popular).