No artigo publicado nos princípios de 1950, António Manuel Couto Viana fornece a sua perspectiva de homem de cultura e de responsável por um título da especialidade sobre o panorama nacional das publicações periódicas inseridas na literatura infantil. Deve recordar-se que este mesmo ano iria terminar, precisamente, com a promulgação das Instruções sobre Literatura Infantil, devendo acentuar-se a evidente coincidência entre os pontos de vista expostos nos dois documentos, este texto oficial e o depoimento de Couto Viana, publicamente expresso escassos meses antes. Nem poderia ser de outra forma, atendendo a que o literato era um homem de confiança do regime.
Na sua apreciação ao Camarada, que dirige, o articulista começa por criticar o panorama envolvente dominado pela violência gratuita com toques de erotismo, virada como está a “concorrência” para fins comerciais e outros objectivos menos claros, como que subliminares. Políticos talvez, certamente sócio-culturais. Conclui, como faria mais tarde Wertham, que radica no consumo daquela literatura, pelo menos parcialmente, o fenómeno da delinquência infantil…
É claro -continuo a citar- que a excepção se denomina Camarada, um “concorrente”. O apelo à participação dos jovens no jornal é curioso, na exacta medida em que esta era praticada pelo seu correspondente feminino, Lusitas. Sem grande sucesso, acrescente-se.
Couto Viana é judicioso quando afirma que podem alguns encontrar no Camarada determinados pontos que são censurados na “concorrência”: certa inclinação para o não-pacifismo, uso de armas de fogo, cenas de pugilato, violência gráfica e/ou verbal…
[decidi fazer uma ligeira incursão pelas páginas do jornal, limitada a meia dúzia de números publicados nas precisas datas abarcadas por este artigo, e mostro a seguir uma breve antologia de exemplos que justificam a “confissão” do autor. Entenda-se que pessoalmente, ao contrário deste, considero isto louvável e jamais censurável]
O director do Camarada, de certo modo, parece desculpar-se por usar as armas da “concorrência”, admitindo que tudo será aceitável se concluir pela vitória das causas positivas, ou seja, com o Bem a derrotar o Mal.
Cita duas secções específicas, a dos problemas policiais e a das charadas/palavras cruzadas, sobretudo porque são as mais aptas ao diálogo directo, sob a forma de correio trocado com os leitores.
Pragmaticamente, reconhece a limitadíssima venda -leia-se: aceitação- do seu jornal. E proclama a necessidade urgente de ser exercida uma militância de propaganda (este é o termo usado!) por parte dos leitores/filiados da MP. Algumas medidas como a organização de concursos aliciantes constituem promessa terapêutica, que será efectivamente cumprida, no entanto sem resultados práticos visíveis.
O Camarada vai ser composto, impresso e até distribuído pela organização de um jornal, concorrente, O Mosquito. Mas a verdade final, objectiva, é o encerramento do Camarada, em Janeiro de 1951, apenas um ano após o “dramático” depoimento/apelo de António Manuel Couto Viana.
O Diabrete também verá o termo dos seus dias no final deste ano, mas será logo continuado pelo Cavaleiro Andante. O Mosquito vai desaparecer em 1953, após lenta agonia.
O grande título que triunfa, incólume através desta crise, é O Mundo de Aventuras.
A Mocidade Portuguesa (masculina) apenas pelo final de 1957 se sentirá capaz de retomar o seu lugar entre os jornais juvenis, com a 2.ª série do Camarada.
Mas entretanto, em Novembro de 1952, assumira a lúcida e pioneira iniciativa de organizar no Palácio Foz, em Lisboa, uma grande mostra internacional de literatura para crianças e jovens, concedendo um digno lugar à banda desenhada.
De notar a coincidência de, apenas uns dias depois do arranque da 2.ª série do Camarada, a Mocidade Portuguesa (feminina) substituir a desgastada revista Lusitas por renovado título e actualizado estilo, com Fagulha que vai durar, imagine-se!, até ao 25 de Abril de 1974.
Recordemos agora, na íntegra, o artigo de António Manuel Couto Viana.
António Martinó de Azevedo Coutinho