Nestlé aos quadradinhos – três

A sucessiva e gratificante descoberta da personalidade, do humanismo e da arte de Jean Droit tornou-se uma autêntica revelação. Por outro lado, essa descoberta -seguindo um processo de pesquisa quase policiário- revelou também a crescente dimensão e importância das generosas partilhas patentes nas redes informáticas. Nem tudo aqui é egoísta ou mal orientado…

Jean Droit surge como um ilustrador polifacetado, capaz de dominar na perfeição as potencialidades do traço, que sabe modular conforme as situações expressivas e comunicacionais.

Um dos objectivos que prossegui, na minha persistente pesquisa, foi o de tentar saber se a banda desenhada contida no tríptico postal publicitário que possuo tinha antecedentes francófonos, belgas ou sobretudo franceses. Nada consegui concluir, uma vez que, entre largas centenas de reproduções de obras de Jean Droit disponíveis, não encontrei qualquer pista alusiva consistente.

Fica portanto em aberto, sem resposta, a questão de ter sido aquele um trabalho original encomendado ao autor pela empresa nacional ou, pelo contrário, uma adaptação importada e traduzida de fora para o mercado português.

O artista, entre a sua diversificada produção, dedicou-se a outros trabalhos publicitários.

Curiosamente, não tendo sido possível ligá-lo com suficiente consistência à Nestlé, encontrei abundantes provas da sua cooperação artística com outra importante empresa de farinhas alimentícias: a Jammet. Uma numerosa colecção de cromos –Les Vieilles Provinces de France-, tendo como temática a rica diversidade de trajos regionais e folclóricos franceses, constituiu brinde das embalagens desse apreciado alimento para crianças e adultos.

Hoje disputadas peças de coleccionismo, esses “postais” revelam uma notável pesquisa etnográfica e cultural, traduzida em minuciosas recolhas sob a forma de delicados desenhos coloridos.

Os vinhos aperitivos Rossi e Martini, os licores Dermany, os encantos turísticos da costa belga, figurinos de moda, a curiosa difusão publicitária de Panxylon, um fortificante injectável dos Laboratórios Logeais, constante do verso de uma interessante alusão a um doente célebre – Lord Byron- e até a promoção do jornal Gazette de Charleroi, eis alguns dos diversificados exemplos de aplicação prática, comercial, da arte de Jean Droit.

O máximo, a este nível, julgo ter sido atingido com o cartaz oficial dos Jogos da VIII Olimpíada, Paris, 1924. De há muito apreciava a qualidade estética e comunicacional deste trabalho, sem ter imaginado ou valorizado a sua autoria, outra autêntica revelação, sobretudo no presente contexto.

Uma distinta faceta artística do polifacetado Jean Droit pode encontrar-se no seu tratamento do erotismo, nomeadamente a propósito de algumas obras literárias do género que ilustrou. A subtileza do traço e do colorido do criador revela-se abundantemente num contido estilo que nunca resvala para limites de mau gosto, bem pelo contrário.

A diversidade de estilos, técnicas e efeitos parece constituir uma outra demonstração prática, convincente, da criatividade de Jean Droit, com exemplos patentes no género humorístico, numa série dedicada a “acidentes rodoviários” da época, em reconstituições históricas como a vida de Joana d’Arc, em capas de folhetos musicais, em apontamentos da Natureza, enfim, num quase infinito e deslumbrante universo…

Pessoalmente, numa escolha tão difícil como discutível, destaco a produção motivada pela experiência militar de Jean Droit, por vezes directamente das próprias trincheiras e da “terra de ninguém”…

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