Uma significativa data histórica

Hoje passa a efeméride de um dia verdadeiramente histórico para Portugal.

Este blog decidiu comemorar dignamente a data. Assim, não se poupou a esforços nem a despesas, tendo assegurado a colaboração de dois competentes jornalistas especializados, enviando -os expressamente aos locais onde decorreram os importantes e significativos acontecimentos. Com o patrocínio do Diário Popular, seguem-se os artigos assinados por Maria Luísa Guerra e José Hermano Saraiva.

Foi decidido na redacção do blog aqui reproduzir todo o material, apesar da sua extensão, por se tratar de um conjunto de reportagens ao vivo dotadas do maior interesse e actualidade. Assim, pode dispor-se de uma perspectiva histórica abrangendo toda a vida do nosso rei fundador no seu contexto próprio.

Acontecido a 5 de Outubro de 1143 e não dois meses mais tarde como os nossos enviados relatam na sua segunda crónica (já assumiram ter-se tratado de uma natural confusão), o Tratado de Zamora corresponde a um documento onde D. Afonso Henriques e o seu primo Afonso VII de Castela e Leão subscrevem oficialmente a nossa independência. Assim, foi revogado o Tratado de Tui, assinado em 1137.

Mais tarde, apenas em 1179, o papa Alexandre III sancionaria a completa autonomia de Portugal, pela bula Manifesti Probatum.

Mas a data de 5 de Outubro de 1143 deve ser considerada como a do efectivo nascimento do nosso país.

Segue-se o prometido relato, que vale a pena ler na íntegra.

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Como complemento desta série de crónicas, podemos acrescentar-lhe uma imagem verdadeiramente histórica, rigoroso exclusivo mundial adquirido pelo Largo dos Correios. Trata-se do preciso momento em que D. Afonso Henriques concretiza uma selfie em plena Conferência de Zamora.

 ah zamora final

Acontece que alguns cronistas medievais, como Fernão Lopes, citam um outro acontecimento coincidente com esta data, nada mais nada menos do que a Implantação da República em Portugal, ao que parece acontecida em 5 de Outubro de 1910. Para esclarecer a dúvida, contactámos os serviços da presidência alojados no Palácio de Belém, em Lisboa. Os funcionários não quiseram confirmar ou desmentir estes rumores, prometendo para mais tarde a emissão de um comunicado oficial sobre o assunto.

 Largo dos Correios

A Bruma da Memória – Peniche

BRUMAS DE PENICHE

Encontrei há dias este videograma na vasta galeria do Youtube, quando aí pesquisava outros temas. Visionei-o e achei-o interessante, embora um pouco equívoco no seu título.

hermano saraivaCom efeito, ainda que pretensamente dedicado a Peniche, por aqui passa quase de raspão. Se excluirmos alguma referência à evolução da sua antiga condição de ilha à da actual península, alusões à primeira fortaleza construída e a lendas locais, tudo se passa por fora. Neste seu programa, datado de 1992, o comunicador fala mais de Atouguia da Baleia, de Serra d’El Rei e da Berlenga, com destaque para as gaivotas (deveria querer dizer cagarras, ali largamente maioritárias) e para as lagartixas.

De qualquer forma, o vídeo A Bruma da Memória – Peniche é merecedor de visionamento, até para confirmar a inegável vocação comunicativa do professor Hermano Saraiva e o cuidado estético sempre colocado nos seus programas da TV.

Há aqui uma frase que subscreveria: Ninguém deve morrer sem vir pelo menos uma vez a Peniche.
Concordo sem reservas.

JOSÉ HERMANO SARAIVA – II

No seu curto documentário sobre José Hermano Saraiva,  ontem recordado, Júlio Isidro citava-o como considerando-se -a si próprio- um “ingrediente” da História de Portugal. Em termos culinários, um ingrediente é um componente essencial, uma substância que faz parte de uma mistura, num sentido mais amplo. Ora isto não é verdade: José Hermano Saraiva não faz parte da História de Portugal. Foi ministro, é certo, foi embaixador, é certo, foi professor, é certo, mas não ficará na História por isso.
Como ingrediente -e a auto-classificação será sua- talvez seja mais um aditivo, um fármaco, que dá melhor gosto, sabor ou efeito ao produto. E isso soube ele fazer como poucos em relação à História, tornando-a um produto acessível, desejado e querido dos portugueses em geral.  Este mérito é justo e não deve ser desprezado.
Depressa vão passar os ecos da morte de José Hermano Saraiva. O que vai sobrar é a sua imagem audiovisual e os seus escritos. A sua herança, como comunicador, está portanto salvaguardada e isso é o mais importante.
Concluo o texto de há mais de um quarto de século, com a segunda parte, publicada originalmente no Porta-Vós – Quinzenário da Formação em Exercício da ESEP, n.o 4, em 10 de Dezembro de 1986, sobre o testemunho de José Hermano Saraiva a pretexto das nossas tapeçarias.

 O PROGRAMA DA OPORTUNIDADE PERDIDA
2- QUANDO QUEM CONTA UM CONTO LHE AUMENTA UM PONTO…

 Tem continuado o Dr. Hermano Saraiva a sua semanal crónica televisiva, prendendo cada telespectador à fluência das suas palavras e à magia dos seus relatos.
A lista das cidades contempladas com as suas histórias vai aumentando, ainda que muitas vezes não se possa avaliar com rigor até onde a história é da cidade ou é, apenas, o fruto de uma fértil imaginação. E isto nada tem a ver com a distinção entre a crónica e a lenda, entre a tradição e o testemunho, entre a ficção e a realidade.
É que, não o esqueçamos, meia verdade é também meia mentira. Ou não?!
Há quinze dias preocupei-me com alguns dos aspectos formais do programa dedicado a Portalegre. Deixei para outra oportunidade -esta- a análise sucinta do seu conteúdo, através de um episódio dele retirado.
Hermano Saraiva considera-se um historiador ou, pelo menos, é tido como tal. Assim, é-lhe exigível um rigoroso respeito pela verdade histórica, uma clara e inequívoca descrição dos factos, nomeadamente quando a audiência se pode contar pela grandeza dos milhões e é maioritariamente constituída por pessoas predispostas à receptividade acrítica.
Ao escolher como subtítulo para as Histórias da nossa terra a expressão “A inteligência das mãos”, o Dr. Hermano Saraiva não só privilegiou um dos temas desenvolvidos como autorizou, implicitamente, que qualquer crítica se possa fundamentar nele. E precisamente o que farei, começando por transcrever o texto do seu roteiro (TV Guia n.º 405, 8/14 Novembro 1986) na parte relativa ao episódio “Jean Lurçat” e, a seguir, o texto da versão do jornalista Augusto de Carvalho, baseado no testemunho de Guy Fino, sobre o mesmo caso (“Tapeçarias de Portalegre”, in Expresso Regiões, 21/Julho 1987):  

TV GUIA

Tudo começou quando se fez em Lisboa uma exposição de tapeçarias francesas, apresentadas como a quinta-essência da arte do tear. Um industrial de Portalegreviu e disse para si: Daquilo também nós somos capazes.
Fez as primeiras tapeçarias e trouxe aqui um mestre francês, Lurçat, nome célebre neste ramo da arte de tecer. Lurçat gostou do que viu e quis assinalar a visita com a oferta de uma bela tapeçaria francesa feita sobre um cartão seu.
Não há prenda sem resposta e aqui resolveram prestar uma homenagem a Lurçat: Copiaram, com toda a perfeição que a nossa técnica incipiente permitia, a peça oferecida.
Tempo depois Lurçat voltou a Portugal, e mostraram-lhe as duas peças, original e cópia. Ele quis ser elogioso: Excelente, excelente. Um defeito ou outro (e ia-os apontando), mas já é um belo trabalho. Os portugueses estavam constrangidos, mas acabaram por explicar: Mestre, há um lapso. Esse que tem os defeitos não é a nossa cópia, é o original. 

EXPRESSO

Jean Lurçat revelar-se-ia, aliás, um verdadeiro entusiasta pelas tapeçarias de Portalegre. Mas não foi assim do pé para a mão. Guy Fino gastou tempo a tentar convencer Lurçat da validade do seu trabalho.
Visitou-o mais que uma vez e de uma delas acompanhado pela sua mulher, Mercedes, precisamente no Castelo Medieval de Saint-Ceré. Na despedida, o grande artista francês ofereceu à senhora de Guy Fino a almofada que lhe servira de assento com o famoso galo da sua autoria.
No ano seguinte conseguiria que Lurçat viesse a Portugal a fim de visitar a manufactura. Guy Fino tinha, entretanto, feito reproduzir a pequena tapeçaria que Lurçat oferecera a sua mulher e apresentou-lha juntamente com o original.
“Veja se descobre qual é a sua”, perguntou-lhe. Lurçat mirou e remirou a certa distância -de perto seria fácil aperceber-se, dada a técnica diversa de cada uma delas- e pronunciou-se pela realizada em Portalegre. A partir daí, nasceu uma grande amizade e colaboração entre os dois homens.

 Do elementar confronto entre as duas versões do episódio ressaltam flagrantes diferenças. No entanto, estas são ainda mais profundas. Senão, vejamos:
l – “Quando se fez em Lisboa uma exposição de tapeçarias francesas” (1952), Guy Fino (“um industrial de Portalegre”) não poderia ter dito para si que daquilo também nós éramos capazes, porque na mesmíssima altura teve a audácia de expor, noutro local da mesmíssima Lisboa, duas tapeçarias da sua manufactura.
2 – Não foi nessa altura que aqui se fizeram “as primeiras tapeçarias” nem era então “a nossa técnica incipiente”. A firma “Tapetes de Portalegre, Limitada” constituíra-se por escritura pública de 22 de Dezembro de 1946! Também não foi aqui (nem sequer em Portugal) que Lurçat ofereceu a célebre tapeçaria, mas sim na sua casa de França.
3 – Apenas por absoluta ignorância se pode imaginar Lurçat apontando defeitos de pormenor numa tapeçaria que necessariamente teria de apreciar de perto, confundindo a sua origem. É que a técnica francesa (Aubusson) se baseia num fio de teia horizontal, enquanto a técnica portalegrense assenta num cruzamento distinto e original que privilegia a verticalidade. Lurçat sabia isto, como poucos, pelo que é inadmissível a grosseira versão televisiva do episódio.
Teremos, talvez, “a inteligência nas mãos”. Seremos, talvez, “um povo com o futuro nas mãos”. Nada tendo, basicamente, a opor a tais conclusões de Hermano Saraiva, acho-as parcelares e incompletas.
Sem pretender aqui ressuscitar a eterna dialéctica trabalho manual/trabalho intelectual, creio que o nosso futuro também passa pela inteligência propriamente dita e pelo coração. A própria História, mesmo a das cidades, também se faz assim. Neste campo, Hermano Saraiva não precisa de lições; dá-las.
 E tenho muito gosto em estar entre os seus alunos, ainda que de quando em vez me assalte a preocupação de não saber distinguir os pontos dos contos.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

JOSÉ HERMANO SARAIVA – I

A morte de José Hermano Saraiva tem feito desencadear uma multiplicidade de comentários e de apreciações, em grande parte situada nos antípodas da tabela de classificação, do óptimo ao péssimo. Quando alguém morria, em bom português, era hábito branquear toda a sua crónica biográfica, implantando desde logo o falecido no rol das figuras simpáticas, porque as pessoas, depois de mortas, costumam tornar-se inóquas. As coisas mudaram…
José Hermano Saraiva dispunha duma rara capacidade para contar histórias. Se em vez de declamar História, tratasse de folclore, culinária e talvez mesmo futebol, o seu êxito seria, previsivelmente, o mesmo. A sua excepcional capacidade comunicativa era uma garantia segura, ao serviço de qualquer tema.
Não foi por acaso que, na votação de há anos subordinada à pública escolha d’Os Grandes Portugueses, ele foi classificado num “honroso” 26.º lugar. Não nos esqueçamos de que o contexto era televisivo, precisamente o seu palco de excelência. Quem não se lembra de O Tempo e a Alma, Gente de Paz, Horizontes da Memória, Histórias de Cidades e outros?
Emotivo e emocional, teatral e impulsivo na fala, de voz austera porém autoritária, convicto e convincente, de gesto hábil sobretudo nas suas originais “mãos em concha”, firme no olhar fixo em direcção à câmara certa e sem vacilações, cuidadoso em extremo na escolha do cenário adequado, parecia acreditar piamente naquilo que afirmava. Não tenho disto uma inabalável certeza.
Tenho, no entanto, uma outra certeza, e com mais valor. No deserto das ideias patenteado pelas nossas televisões, públicas ou privadas, onde a RTP 2 é uma excepção, José Hermano Saraiva deixou um lugar dificilmente preenchível. A sua vocação de contar histórias, mesmo que em eventual detrimento do rigor, constituiu um serviço público com indiscutível mérito, num invulgar processo de transmissão cultural que contagiou o povo português.
Penso hoje acerca dele o mesmo que pensava há vinte e seis anos, quando sobre um seu programa dedicado a Portalegre, deixei uma crítica alusiva num modesto e ignorado jornaleco policopiado, de circulação interna na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Portalegre, onde então era professor. Foi em Porta-Vós – Quinzenário da Formação em Exercício da ESEP, n.os 3 e 4, de 19 de Novembro e 10 de Dezembro de 1986. Fica aqui hoje a primeira parte (dedicada à cidade) e amanhã ficará a segunda (relativa às tapeçarias).

 O PROGRAMA DA OPORTUNIDADE PERDIDA
l – ONDE SE CONFUNDE UMA CÂMARA COM UM MICROFONE

 Um programa televisivo que obtém 44,3% de audiência é um programa com êxito. Ao consegui-lo, “Histórias de Cidades” confirmou a indiscutível popularidade do seu autor.
Hermano Saraiva emparceira com Sousa Veloso, Raul Machado ou Vitorino Nemésio na galeria dos mais notáveis apresentadores não-profissionais da nossa televisão. Porém, o êxito traduz-se também no acréscimo das responsabilidades, nomeadamente numa área onde não sobram bananeiras para fazer sombra…
Hermano Saraiva dedicou a terceira das suas histórias à nossa cidade e isso, só por si, é um motivo de congratulação para todos os portalegrenses. Numa curta série de 13 programas (talvez 26, se…) Portalegre mereceu a honra da sua inclusão, neste País que seguramente possuirá hoje uma das mais elevadas percentagens mundiais de cidades por quilómetro quadrado.
Na revista oficiosa da RTP, H. S. deu prévia conta dos seus objectivos: antes do mais, “estimular a história local”, depois, “pôr as pessoas a pensar através de uma narrativa simples e directa”, dirigir “um apelo ao sentimento de amor pela terra onde se nasceu”, “fazer de cada episódio um espectáculo-lúdico, fascinante…”
À luz destes ambiciosos propósitos, que leitura poderá legitimamente fazer-se de “Portalegre – A inteligência das mãos”? Apetecia-me dizer que a nossa terra foi tratada com os pés…
Hermano Saraiva postou-se sucessivamente na porta duma torre do castelo, aos pés dum imponente túmulo, junto duma estante cheia de policromados tubos de fio e ao lado duma tapeçaria assinada por Régio. E daí fez brotar o seu discurso, fluente e inconfundível, onde a primeira pessoa do singular ganhou, para o final, as ressonâncias de uma particular primazia.
Que “espectáculo lúcido e fascinante” nos propôs Hermano Saraiva como contraponto às suas palavras e à sua própria imagem? Um zoom do núcleo central do nosso castelo, outro da entrada da igreja de S. Bernardo, uma rua de Marvão (não identificada como tal) e algumas brevíssimas incursões, tipo flash, à cidade antiga feita de pedras e de cal, de ruas e de casas, onde os únicos habitantes vivos pareceram ser as tecedeiras da Fábrica Real.
Em televisão é pouco, muito pouco, dizer-se “Estamos na igreja do Mosteiro da Conceição”…, “Aqui, neste enorme casarão…”, “Estamos na Casa de José Régio”, etc. A linguagem verbal, escrita ou falada, pode desempenhar plenamente a sua função no discurso narrativo inerente a uma legenda da banda desenhada, a um rótulo do cinema mudo, à introdução de um capítulo no romance ou a uma “deixa” da cena teatral, mas essa mesma linguagem não é própria da mensagem televisiva.
É que ninguém viu S. Bernardo, apesar do contraponto da câmara entre o túmulo monumental do bispo e a sepultura jacente da abadessa, ninguém vislumbrou a massa imponente da Fábrica Real e da sua alpendrada, apesar das referências ao Marquês, ao Colégio e aos jesuítas, ninguém visitou a Casa de Régio, apesar da tapeçaria e da sofrível declamação do poema antologiado.
De “Histórias de Cidades” ficámos pelo índice do capítulo prometido à nossa terra. Como poderíamos, assim, aspirar à bibliografia?
Apesar do seu impacto instantâneo, a mensagem televisiva é efémera. Neste caso, onde até o “espectáculo” terá falhado, que nos restasse a possibilidade de “pensar” e de “estimular a história local”, no tal prometido reforço do sentimento de amor pela terra se nasceu”. Mas Hermano Saraiva talvez distraído, nada disse sobre as fontes da sua narrativa, exceptuando aquela que particularmente o envolvia.
Em suma, donde se poderia esperar algo que nos compensasse da visão paternalista evidenciada por Hipólito Raposo nessa espécie de Portugal dos Pequeninos que dá pelo nome de “Este é o meu País”, donde tal se esperaria resultou mais um programa do nosso descontentamento. E não só!
Daqui a uma quinzena voltarei ao tema.

 António Martinó de Azevedo Coutinho