O LÓTUS AZUL – VII

VII – Traduttore, traditore (dois)

Escolhemos 4 das 62 páginas disponíveis em cada um dos álbuns analisados. Ao procedermos a esta selecção apenas procurámos alguns exemplos-tipo considerados mais “generalistas”, uma vez que procuraremos proceder mais tarde a um detalhe mais profundo de certos pormenores verdadeiramente significativos.

 A página 1 introduz a história que, como já foi atrás recordado, se constitui como uma sequência da anterior aventura, Os Charutos do Faraó. O cabeçalho das três edições é curioso, com a francesa ostentando o título nas duas línguas, a nacional e a chinesa, enquanto as outras edições o resumem à nacional.

Como é natural, cada página está escrita na língua própria dos respectivos leitores/destinatários/compradores, tornando-se irrelevante analisar aqui os fenómenos comunicacionais que esta modalidade de metalinguagem comporta, uma vez que cai em campos altamente especializados da linguística aplicada. Em senso comum, trata-se portanto de uma situação “normal”. De anotar, por interessante, a tradução fonética das onomatopeias (ruídos ou barulhos) na versão chinesa (4.ª e 5.ª vinhetas). Finalmente, quanto à vinheta inicial da última tira, os chineses não sentiram qualquer necessidade de traduzir o seu conteúdo, precisamente porque este é… incompreensivel! Portanto, ao contrário dos portugueses, eles usaram uma mais económica lógica comunicacional.

 O confronto proposto pela página 6 propõe outras questões. Só o “maravilhoso” de Hergé (ou da BD) permite aceitar com indiscutível naturalidade que Tintin (na 3.ª vinheta) indique ao condutor do riquexó o endereço ao qual deseja ser conduzido: Rua da Tranquilidade. Quem esteve em Macau, ainda português, sabe que era imperioso entregar ao taxista o endereço escrito em mandarim para garantir algum êxito…

Em contrapartida, é o mesmo “maravilhoso” que permite aos leitores chineses aceitarem, com a mesma indiscutível naturalidade, que Tintin se exprima num correctíssimo mandarim…

A vinheta inicial da última tira inclui um dos raros balões, nas edições ocidentais, escrito em chinês (são apenas três, em todo o álbum!).

 A página 12 repete algumas das curiosidades já referidas, como a transcrição fonética chinesa das onomatopeias “ocidentais” ou a reprodução dum texto (o do telegrama) desta vez “traduzido” pois o seu sentido -ao contrário do exemplo da página 1- é significante.

De resto, o mais interessante da página reside na última vinheta da penúltima tira, onde Tintin pergunta ao polícia chinês onde fica a rua T’ai P’in Lou. Trata-se da repetição da situação de incomunicabilidade já abordada quanto ao improvável diálogo entre Tintin e o condutor do riquexó

 Finalmente, quanto ao proposto confronto da página 33, encontramos uma semelhança quase absoluta nas Actualidades Mundiais fílmicas, onde os maiores interesses se situam na comparação fonética dos latidos caninos e em mais uma versão do tal improvável diálogo.

Interessante é a nota de pé-de-página, onde a interpretação nacional quase passa despercebida (o algarismo 1 é minúsculo!), recapitulando uma situação narrativa com significado, pois um dos “maus” da fita, ou da história, é ali referido…

Numa pausa a esta ligeira análise formal, devemos tratar a seguir do conteúdo ou contexto desta aventura, factor relevante para um melhor entendimento da sua real importância.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

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