Peniche – Pormenores – 1

Peniche Porm

I – O TANQUE DAS LAVADEIRAS

Há semanas, não muitas, foi aqui abordado o tanque das lavadeiras. Lembrou-se o mito da lavadeira de Caneças, como figura emblemática duma profissão que ainda há poucas décadas fazia parte da panóplia das figuras indispensáveis a qualquer comunidade organizada. Em Portalegre, como se sabe, a lavadeira foi elemento quase familiar em muitos lares da cidade e, na sua periferia, esteve instalado um tanque comunitário, que mudou de sítio e que acabou por cair em desuso, ainda que em diversas freguesias rurais se mantenha funcional.grav00
O filme Aldeia da Roupa Branca, com a sua clássica canção, tornou-se um simbólico mito inserido na lista quase interminável dos populares registos nacionais de outros tempos. O país rural e atrasado criou figuras hoje clássicas que o cinema, o teatro, a pintura, o poema ou a caricatura fizeram chegar aos nossos tempos.
Porém, a figura da lavadeira sobreviveu e, se não dispõe agora das características que a impuseram na época das nossas avós e bisavós, continua a levar a cabo a sua higiénica tarefa, provavelmente mais virada para a sua própria roupa branca… e da cor.
Vim encontrar em Peniche um tanque das lavadeiras em perfeito estado de funcionamento e, mais do que isso, revestido duma dignidade que lhe confere estatuto de perene valor social. Reconheço que nada fiz para lhe registar cronologia e outros rigorosos dados, nem isso é função de quem, com encantamento, tenta descobrir por dentro uma “nova” terra que, embora já fizesse parte da minha relação desde há um quarto de século, ganhou agora um redobrado valor.

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Peniche – Pormenores vai constituir um registo regular das impressões pessoais, espécie de fragmentária descrição de sítios e de sentimentos colhidos no quotidiano do contacto com a novidade. Não terei qualquer excessiva preocupação de rigores científicos ou cronológicos, porque nem sequer me afecta a pretensão do historiador ou a carga da naturalidade. Sinto-me como visitante que por aqui fica, se demora e se sente tentado à partilha das coisas interessantes que o sensibilizam.
É o caso do tanque das lavadeiras.

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Fica situado num local nobre, pouco depois da entrada principal de Peniche, seguindo pela rota que nos leva ao Cabo Carvoeiro. À direita, logo após a primeira curva da estrada de circunvalação, junto a um dos depósitos de água da cidade, no início do caminho que nos leva à península vulcânica da Papoa e a uma pequena enseada onde está a Praia do Porto de Areia Norte, eis a baixo e vistoso telheiro do tanque das lavadeiras.
É evidente o cuidado posto na sua identificação, no belo painel exterior de azulejos que o distingue e embeleza. Assinado por Gama Diniz (pintor de cerâmica lisboeta, com trabalhos a partir das Caldas da Rainha) e datado de 2004, o moderno friso revela cenas do trabalho da lavadeira, suas sucessivas fases operativa e um tema local, incontornável, a Nau dos Corvos, emblemático penhasco solto junto ao Cabo Carvoeiro, que proximamente aqui abordaremos.

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O interior do recinto revela a habitual organização dos tanques e dos espaços e equipamentos complementares, sem nada de relevante a assinalar. A disponibilidade exterior de espaços livres, alguns espontaneamente relvados, permite um estendal e cora compatíveis, no admirável cenário duma enseada rodeada de altas falésias, como é vulgar na costa Oeste, com o maciço da Papoa a dominar o conjunto.
Fiquei favoravelmente impressionado com este encontro, num dos vulgares passeios sem destino fixo, pelas redondezas próximas do meu bairro.

António Martinó de Azevedo Coutinho

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