Entre lagóias…

Carta aberta a três assumidos lagóias
(na volta do correio)

 

Recebi ontem mesmo um duplo “recado”, pelo vosso porta-voz, o Florindo.

Após um repasto, que espero tenha sido compensador, no restaurante que um outro lagóia, o Fernando Lourinho, vos recomendou, deram com a curiosa toponímia da pequena praça: Largo dos Lagóias. Nada mais adequado!

Telefonou-me, como aliás é saudavelmente frequente, o Florindo Madeira. Deu-me conta do acontecimento e, também, de algumas diligências no sentido de resolver a natural curiosidade: por que somos nós, portalegrenses de Portugal (não nos esqueçamos dos nossos irmãos brasileiros!), apelidados de lagóias?

Depois, por e-mail, mandou-me as fotografias alusivas.

3 lagóias

Pelos vistos, as diligências não terão sido bem sucedidas, isto é, as fontes pesquisadas não deram resposta satisfatória.

Tive mais sorte e, por isso, aqui vai o resultado. Aquilo a que chamo sorte é, apenas, ir ao sítio certo. E, nestas coisas de nomes, o sítio certo chama-se Alexandre de Carvalho Costa. Todos vocês o terão conhecido, apesar de ele ter sempre levado uma vida rodeada de extrema humildade e discrição. Discrição que o persegue para além da morte e que, agora também, é manifestamente injusta. Mas infelizmente é assim…

Professor e linguista, o lagóia alagoense Alexandre de Carvalho Costa (1908-1986) legou-nos uma impressionante colectânea de artigos soltos e de obras publicadas (mais de setenta), quase todas versando temas etnográficos, toponímicos, filológicos e literários.

Foi num destes seus volumes, GENTÍLICOS E APODOS TÓPICOS DE PORTUGAL CONTINENTAL – RECOLHA E COMPILAÇÕES, Edição da Junta Distrital de Portalegre, 1973, que encontrei, a páginas 328/9, a desejada descodificação. Aqui a transcrevo, integralmente:

BÊBADOS – LAGÓIAS
São os da cidade de Portalegre.
Apodar os portalegrenses de BÊBADOS, ignoro o motivo, porque esses há-os em toda a parte.
São conhecidos, sim, pelo apodo de LAGÓIAS desde tempos remotos.
A razão de tal apodo foi-me dada a conhecer pelo Dr. Joaquim Dias Loução, juiz de direito aposentado, grande conhecedor de assuntos históricos, literários e linguísticos. Explica-o desta maneira:
“A palavra LAGÓIA aplicada como apodo aos portalegrenses supõe-se vir de langóia -por sua vez proveniente de langor – moleza, prostração, preguiça. Portalegre é cidade de há muito industrial, com fábricas que ocupam muita gente; quando por falta de matérias-primas ou outras circunstâncias, as fábricas tinham de fechar por algum tempo, os sem-trabalho, os inactivos demoravam-se às esquinas, nas ruas, nos largos, à espera de melhores dias, dada a sua falta de hábito para o serviço do campo. Ainda hoje se vêem, em Portalegre, pelas esquinas, ruas, praças, muitos homens inactivos, como, de resto, em muitas outras cidades. O menor esforço terá dado a desnasalação do an -fenómeno esporádico para o qual não encontro explicação fácil”.
A respeito de tal explicação, informa o ilustre filólogo Dr. José Inês Louro que o esforço do Dr. Joaquim Loução para explicar LAGÓIA é deveras meritório, mas parece-lhe que ainda não satisfaz.
A informação langorlangóialagóia, implica ser a palavra langor muito vulgar entre os camponeses da região. Além disso, a perda do n (ou melhor a desnasalação) antes do g não lhe parece nada provável.

Portanto, caro conterrâneos Florindo, Diabinho e Bretanha, que também ainda se1 lagóia lembrarão do Dr. Joaquim Loução, aqui têm a resposta possível. Já agora, devolvo-vos o “recado”, pois resta alguma inerente curiosidade, a de saber o como, o quando e o porquê da designação toponímica desse largo de Rebelva, Carcavelos, Cascais. Sei, por experiência própria, que as autarquias da Grande Lisboa normalmente dispõem de serviços toponímicos, competentes e disponíveis, quase sempre ligados aos departamentos/pelouros culturais. Portanto, por favor, tratem vocês agora de saber, por aí, a resposta a estas questões.

E depois digam qualquer coisa…

 Com um abraço lagóia, e muito amigo, do
António Martinó

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