o A.B.C. da B.D. – um

ABC da BD

Em meados de Março deste ano coloquei aqui um texto intitulado A Montagem na Banda Desenhada, que na ilustração cimeira fiz acompanhar de uma espécie de prévia explicação: O A.B.C. da B.D. (reflexões sobre os quadradinhos). O conteúdo desse artigo consistiu na apresentação de um exemplo comparado entre duas pranchas, de distintos períodos e diversas técnicas narrativas, retirado dos arquivos e apontamentos da minha própria prática docente.
Agora, que estou a relatar uma experiência pedagógica determinante no meu percurso enquanto professor e cidadão, parece-me oportuno prolongar aquela evocação, apresentando regularmente uma panóplia de outros exemplos práticos que organizei para integração das aulas processadas no seio do espírito do ICAV (Iniciação à Comunicação AudioVisual), onde se inseria a abordagem crítica ao verbo-icónico (texto e imagem), como é o caso da banda desenhada.
Assim, seleccionei uma dúzia de exemplos que aqui irei apresentando com regularidade, devidamente comentados e enquadrados no seu contexto. Começo hoje mesmo.

 AS ARTES DO MOVIMENTO

A representação gráfica do movimento é um dos mais significativos desafios colocados à banda desenhada.

O efeito “Marey”, sobreposição justaposta de sucessivas posições de um corpo ou objecto, proveniente da fotografia a caminho do cinema, constitui uma representação muitas vezes usada com sucesso no mundo dos quadradinhos. A surpresa pode acontecer com a tomada de consciência de que alguns consagrados artistas plásticos usaram ao longo da sua obra este mesmo artifício gráfico.

Eis uma provocação a tal propósito…

Na página 25 de Le Secret de La Licorne, Hergé exibe o truculento capitão Haddock freneticamente agitando um sabre.

abc bd 1

O pintor russo Kazimir Malevich (1878-1935) aderiu ao abstraccionismo geométrico, um dos ramos mais fecundos da arte abstracta originados pelo cubismo. É dele a obra O Amolador de Facas (1912), aqui também reproduzida.

abc bd 2

A proposta pedagógica é constituída pelo confronto entre o essencial das duas imagens, (apenas) formalmente comparáveis: um homem, uma lâmina e uma certa (embora distinta) agitação.

Os rostos, os braços, as lâminas e as pernas revelam-se (Marey dixit) em sucessivas posições no espaço, ainda que animados por diversas motivações pessoais dos seus respectivos protagonistas. O essencial das intenções comunicativas dos dois distintos autores manifesta-se através de traços e manchas de cor sabiamente relacionados entre si e a nossa atenta análise pode facilmente encontrar manifestas convergências pictóricas entre as suas representações. E ainda diferenças…

Naturalmente, também o distinto grau de “movimentação” se impõe, sobretudo como óbvia consequência da utilização, ou da ausência, dos signos cinéticos. É sobretudo daqui que decorre a nossa leitura interpretativa quanto à delirante agitação do capitão ou à profissional tranquilidade do anónimo amolador de facas e tesouras.

As 7.ª e 9.ª Artes, seguramente, terão mil e umas pequenas e grandes cumplicidades para nos revelarem. Compete-nos procurá-las nos recantos mágicos de telas, galerias e museus assim como nas páginas, não menos encantadas, das revistas e dos álbuns de quadradinhos…

 António Martinó de Azevedo Coutinho

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