Joaquim Namorado (1914-1986) – Um poeta de Alter do Chão

Joaquim Vitorino Namorado Nascimento
(1914, Alter do Chão – 1986, Coimbra)

 

Recebi do amigo Manuel Isaac um mail contendo o endereço de uma petição que, naturalmente, abri. Achei justa e injusta tal petição, justa no conteúdo, injusta na forma. Explico.

Trata-se de um pedido-lembrança dirigido ao presidente da autarquia da Figueira da Foz, solicitando a reposição de um prémio literário local dedicado à memória de um Homem de Letras, Resistente e Democrata que ali viveu. Apaixonado pela Figueira da Foz, Joaquim Namorado residiu numa modesta casa, sita na vertente Sul da Serra da Boa Viagem, durante bastante tempo, sobretudo em fins-de-semana e nas férias.

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Após a licenciatura em Ciências Matemáticas na Universidade de Coimbra, dedicou-se à docência, sendo-lhe vedada uma carreira no ensino oficial, dada a sua oposição ao regime do Estado Novo, como activo militante do Partido Comunista Português desde 1930, quando tinha apenas 16 anos de idade. Vivendo como professor do ensino particular, só depois do 25 de Abril lhe foi permitido ingressar no quadro docente da secção de Matemática na Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia.

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Como literato, iniciador e teórico do movimento neo-realista, colaborou em diversas revistas como Cadernos da Juventude, Atitude, Seara Nova e Vértice (que chegou a dirigir), assim como nos jornais O Diabo e Sol Nascente.

namorado 4Colaborou também na revista coimbrã Presença, de Régio e outros, com quem conviveu.

As suas obras poéticas são Aviso à Navegação (1941), Incomodidade (1945) e A Poesia Necessária (1966), tendo também publicado a biografia Federico Garcia Lorca (1943) e o ensaio Uma Poética da Cultura (obra póstuma, 1994).

 Na colectânea Novo Cancioneiro (Caminho, 1989), seria postumamente evocada a sua primeira obra poética, Aviso à Navegação.

Ainda chegou a desempenhar, eleito nasnamorado 1 listas da APU, o cargo de membro da Assembleia Municipal da Figueira da Foz. Participou activamente na fundação do jornal local Barca Nova que, em Janeiro de 1983, esteve na origem de uma justa homenagem ao cidadão coerente, sempre na primeira linha da defesa dos direitos humanos e também dos interesses da Figueira da Foz. Foi nesta oportunidade que a autarquia figueirense instituiu o Prémio do Conto Joaquim Namorado. A quando da posterior gestão de Santana Lopes, que se proclama um democrata e homem de cultura, este prémio literário foi suspenso…

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É a sua reposição que agora, com oportunidade e justeza, se pretende, precisamente quando  deve começar a ser organizada uma digna comemoração do 1.º centenário do nascimento do autor.

O que também é preciso repor, por igualmente justa, é a indicação, agora “escamoteada”, da naturalidade de Joaquim Vitorino Namorado Nascimento, um ilustre alterense, portanto norte-alentejano. Com efeito, ele nasceu em Alter do Chão, distrito de Portalegre, no dia 30 de Junho de 1914, tendo falecido em Coimbra, a 29 de Dezembro de 1986, aos 72 anos de idade.

Estas omissões, frequentes, devem ser combatidas. Chamar coimbrão a Joaquim Namorado apenas será correcto se for indicada, conjuntamente, a condição de alterense que lhe cabe. Assim é abusivo, tal como chamar exclusivamente portalegrense a José Régio, desprezando a sua origem vilacondense…

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Em Alter do Chão existe uma Praça a que foi atribuída a designação de Joaquim Vitorino Namorado. Não sei se as toponímias figueirense e conimbricense incluem o nome do poeta…

Em Portalegre conheci e convivi, pelos anos 40, com familiares de Joaquim Namorado, nomeadamente um conceituado empresário comercial do ramo automóvel. Ao próprio escritor, lembro-me de o ter visto pela cidade algumas vezes, provavelmente de passagem a quando das suas vindas à terra natal.

 

De entre a produção de Joaquim Namorado, escolhi apenas três poemas, que acho suficientemente representativos da obra e estilo do autor.

 

                         AVISO À NAVEGAÇÃO

 

Alto lá!

Aviso à navegação!

Eu não morri:

Estou aqui

na ilha sem nome,

sem latitude nem longitude,

perdida nos mapas,

perdida no mar Tenebroso!

 

Sim, eu,

o perigo para a navegação!

o dos saques e das abordagens,

o capitão da fragata

cem vezes torpedeada,

cem vezes afundada,

mas sempre ressuscitada!

 

Eu que aportei

com os porões inundados,

as torres desmoronadas,

os mastros e os lemes quebrados

– mas aportei!

 

Aviso à navegação:

Não espereis de mim a paz!

 

Que quanto mais me afundo

maior é a minha ânsia de salvar-me!

Que quanto mais um golpe me decepa

maior é a minha força de lutar!

 

Não espereis de mim a paz!

 

Que na guerra

só conheço dois destinos:

ou vencer – ai dos vencidos! –

ou morrer sob os escombros

da luta que alevantei!

 

– (Foi jeito que me ficou

não me sei desinteressar

do jogo que me jogar.)

 

Não espereis de mim a paz,

aviso à navegação!

 

Não espereis de mim a paz

que vos não sei perdoar!

 

             PORTWINE

O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires:
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.
As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlinos
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.

Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.

O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
Liberta-te, meu povo! – ou morre.

                                             FÁBRICA

Oh, a poesia de tudo o que é geométrico
e perfeito,
a beleza nova dos maquinismos,
a força secreta das peças
sob o contacto liso e frio dos metais,
a segura confiança

do saber-se que é assim e assim exactamente,
sem lugar a enganos,
tudo matemático e harmónico,
sem nenhum imprevisto, sem nenhuma aventura,
como na cabeça do engenheiro.
Os operários têm nos músculos, de cor,
os movimentos dia a dia repetidos:

é como se fossem da sua natureza,
longe de toda a vontade e de todo o pensamento;

como se os metais fossem carne do corpo
e as veias se abrissem
àquela vida estranha, dura, implacável
das máquinas.

Os motores de tantos mil cavalos
alinhados e seguros de si,
seguros do seu poder;

as articulações subtis das bielas,
o enlace justo das engrenagens:
a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos
concordantes, dependentes, necessários.

                                             Joaquim Namorado

Foi tudo isto que em mim desencadeou a “provocação” do Manuel Isaac.

Um alterense, também, como Joaquim Namorado.

 

António Martinó de Azevedo Coutinho


 

NOTA – A petição destinada a obter a reposição do Prémio Joaquim Namorado pode ser encontrada, para consulta e assinatura, no endereço:

 

http://peticaopublica.com/?pi=P2013N70727

1 thoughts on “Joaquim Namorado (1914-1986) – Um poeta de Alter do Chão

  1. Parabéns Dr. Joaquim. Beijinho da conterrânea. Nessa foto mais jovem ainda iria a Alter do Chão e conheceria o meu pai…Obrigado pelo que me ensinou , na praça, dos cientitas físicos e químicos… Fazia um”vistão quando contava aos meus alunos. Até sempre

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