EUSÉBIO – O ARTILHEIRO

É provavelmente uma das qualidades desportivas mais próprias de um dos maiores futebolistas nacionais de todos os tempos. Os pontapés ou as cabeçadas do pantera negra eram mortíferos, tanto na violência como na pontaria, constituindo um dos poderosos atributos de Eusébio da Silva Ferreira.

Mas não é desta artilharia, arma futebolística do fabuloso marcador de golos, que quero falar. A arma é igualmente a artilharia e o seu “utente” é o mesmo, mas falamos de um assunto diferente: exército em vez de desporto.

Comecemos pelo princípio.eusébio e salazar

Em 1962, ensaiava Eusébio os primeiros passos no Benfica, foi-se revelando um temível goleador. Nessa época, ajudou o clube a conquistar o Campeonato e a Taça de Portugal, chegando à final da Taça dos Campeões Europeus que ganhou por 5-3 ao poderoso Real Madrid, assim confirmando o êxito do ano anterior.

Eusébio começou a ser assediado por tentadoras propostas vindas de toda a Europa. A Juventus acenou-lhe com um salário mais de 50 vezes superior ao que o Benfica lhe pagava e o Real Madrid terá igualado tal oferta…

eusébio 11A intervenção do governo de Salazar terá transformado o futebolista moçambicano (Moçambique “tecnicamente” era Portugal…) numa espécie de “monumento nacional”, intocável. Nem foi preciso publicar a “resolução” no Diário do Governo, bastando enviar o cidadão para a tropa. Esta subtileza invalidou de imediato um pré-acordo com os italianos, pois seria impensável o Estado Novo dispensar um seu soldado, ainda por cima para a estranja.

E foi assim que o mancebo Eusébio da Silva Ferreira se tornou o recruta 1987/63 da 1.ª bateria de instrução do RAAF (Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa), com quartel em Queluz. Eusébio seria portanto duplamente artilheiro, dentro e fora dos estádios, disparando diferentes munições contra distintos alvos, balizas ao aeronaves, umas e outras preferentemente adversárias…

Enquanto militar, Eusébio chegou a participar em encontros e torneios que, ao tempo, eram jogados com alguma frequência por membros das forças armadas de diversos países. Embora sem dispor da certeza absoluta de que a lista esteja completa, pode recordar-se:

 

Lisboa – 26 de Fevereiro de 1964: Portugal; 7 – Luxemburgo; 1

Luxemburgo – 25 de Março de 1964: Luxemburgo; 3 – Portugal; 3

Porto – 1 de Abril de 1964: Portugal; 0 – França; 0

Nantes – 15 de Abril de 1964: França; 2 – Portugal; 1

Atenas – 25 de Novembro de 1964: Grécia; 1 – Portugal, 1

 

Daquilo que conheço, as mais significativas recordações do militar Eusébio da eusébio 1Silva Ferreira figuram numa pequena brochura especial editada pela Agência Portuguesa de Revistas nesses anos sessenta, dedicada aos que chamou “quatro grandes” do nosso futebol, ou seja, aos que tinham vestido a camisola de uma selecção internacional, europeia ou mundial: Travassos, José Augusto, Simões e Eusébio.

José Travassos (1926-2002) era um futebolista de outra geração, comparado com os restantes, sendo o único que já faleceu. Ainda que hoje algo ofuscados pelo brilho de Cristiano Ronaldo, um astro de outra dimensão e de outro tempo, todos eles foram praticantes de excepção, merecedores de lembrança e de justo destaque.

Torna-se interessante, a diversos níveis, reler o que foi escrito e mostrado nesses anos sessenta, quando a imprensa desportiva se pautava por outros valores e quando os restantes meios de comunicação, nesse campo, quase se limitavam a relatos e outras instantâneas transmissões.

Por isso, devem ser vistos com compreeensão, no “magazine” (assim lhe chamou a editora) Os 4 Gigantes do Futebol Português, alguns curiosos pormenores de uma encenadíssima reportagem: os “bólides” ostentados pelos futebolistas, as suas “proezas” musicais, as suas predilecções “culturais”, os seus “ídolos”…

 dupla 1 dupla 2

Voltemos ao artilheiro Eusébio, razão principal de ser destas linhas. Numa dupla página em quadricromia, o recruta surge em quatro fotografias, devidamente acompanhadas por legendas, tão “espontâneas” quanto as respectivas imagens:

 dupla 3

Eusébio passeando despreocupadamente no campo, depois de sair do quartel;

A primeira coisa que Eusébio fez ao chegar ao estágio da selecção, foi ir à cozinha do hotel “inspeccionar” o pitéu do dia;

O telefone tocou e o íeusébio 10dolo do Benfica atendeu. Uma admiradora, como não podia deixar de ser…;

Eusébio inicia-se na condução de moto, sob as vistas de um colega da tropa.

 

Eusébio da Silva Ferreira foi um praticante a quem o Benfica e o futebol nacional devem páginas de glória e triunfos sem conta.

Naturalmente, o episódio da sua ida à tropa não está isento de controeusébio 8vérsia.

No entanto Manuel Sérgio, a ele aludindo, desvalorizou-o, lembrando que anos mais tarde, já depois do cumprimento do serviço militar, Eusébio veria inviabilizada, por bem diversas razões, uma hipotética ida para o Inter de Milão. O mito, portanto, para o conceituado comentador e ensaísta, foi excessivamente empolado.

Aqui fica patente, pela sua curiosidade, o registo de Eusébio enquanto duplo artilheiro…

eusébio 9 

António Martinó de Azevedo Coutinho

1 thoughts on “EUSÉBIO – O ARTILHEIRO

  1. Em julho de 1968, depois de ter feito o CSM, fui colocado no RAL1 (Regimento de Artilharia de Lisboa). Nesta Unidade tive em mão a caderneta militar do Eusébio, onde estava indicado a especialidade deste. Tinha a especialidade de ” condutor hipo”. Nunca foi artilheiro como se lê no artigo.

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