José Duro e a ironia

Num passado sábado, precisamente em 11 de Março de 2017, a Câmara Municipal de Lisboa inaugurou oficialmente a requalificação de dois espaços verdes, com uma série de novidades para os miúdos. A reestruturação aconteceu na Rua José Duro e na Praça Andrade de Caminha e resulta da reforma administrativa iniciada há três anos pela Junta de Freguesia de Alvalade.

Na Rua José Duro, junto a um supermercado, os pisos artificiais do parque infantil foram substituídos por pisos mais simpáticos, como a relva. Já as anteriores diversões – uma parede de escalada e pouco mais -, deram lugar a um grande baloiço redondo e plataformas criadas a partir de troncos para os miúdos pularem à vontade. Há ainda uma estrutura de cordas para escalar e, quando começarem a ficar cansados, cavalos de baloiço criados mais uma vez a partir de troncos de madeira, para acalmarem um bocadinho a correria.

Não é por acaso a utilização de materiais naturais – esta foi uma preocupação da Junta de Freguesia, a par com a necessidade de criar equipamentos que ajudem no desenvolvimento das crianças e possam ser utilizados por toda a família.

Deve haver, para mim, que sou vereador da Câmara Municipal de Lisboa e pai de crianças pequenas, poucas coisas mais gratificantes do que participar na inauguração de parques infantis”, disse Duarte Cordeiro, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, na inauguração, conforme citou a página oficial da autarquia. André Caldas, presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, admitiu que Alvalade foi, durante muitos anos, “a freguesia mais envelhecida de Lisboa”. No entanto, cada vez mais “é um lugar procurado pelas jovens famílias”. Estava na altura de apostar na inovação, portanto.

No parque infantil da Rua José Duro, a zona de estadia passou de 28 para 70 pessoas. Já na capacidade da zona de jogo e de recreio, houve um aumento de 6 para 30 crianças.

Ora tudo isto tem imensa piada e encerra alguma ironia.

José António Duro, toponimicamente ali lembrado, nasceu em Portalegre em 22 de Outubro de 1875, tendo falecido em Lisboa em 18 de Janeiro de 1899, ainda muito jovem, devido à tuberculose.

Foi um poeta decadentista português.

O seu poema mais precoce, um soneto intitulado A Morte escrito em Portalegre em 1895, revela já o temperamento melancólico, pessimista e mórbido do autor.

A sua obra mais conhecida, Fel, foi escrita em 1898, quando a tuberculose de que sofria há muito e que teve muita influência no seu carácter sombrio, anunciava já a morte certa e iminente.

A prostituição, a morte, a tuberculose e o desespero são os temas mais recorrentes da sua poesia, por muitos considerada a concretização mais negativista das correntes estéticas decadentistas em Portugal.

Não há na obra de José Duro qualquer lugar à esperança. Percorri-a na busca de referências à infância, precisamente na expectativa de uma ligação, ainda que ténue, ao recente parque infantil. A que encontrei é contraditória. Está numa quadra do poema Doente, constante de Fel.

A doença que me mata é moral e física!
De que me serve a mim agora ter esperanças,
Se eu não posso beijar as trémulas crianças,
Porque ao meu lábio aflui o tóxico da tísica?

Lisboa, através da sua autarquia, quis perpetuar o nome do malogrado poeta portalegrense. Isso aconteceu em 25 de Janeiro de 1950.

Em Portalegre, a iniciativa da homenagem mais significativa a José Duro pertenceu à academia liceal que erigiu uma memorieta alusiva no Jardim da Corredoura, em 23 de Julho de 1944. A participação oficial na cerimónia consistiu na sua posterior e recente destruição, com o alibi do POLIS… A reacção comunitária levaria a autarquia portalegrense a tentar remediar, grosseiramente, o seu vandalismo, caricaturando uma reconstrução do monumento.

Foi simbolicamente uma segunda morte de José Duro, algo que contrasta com as positivas diligências autárquicas lisboetas.

Ocorreu-me isto a tal propósito.

Como a vida é irónica!

António Martinó de Azevedo Coutinho

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