Caminhos de Santiago – Três – Vigo – Pontevedra

Dia 3

Dizem os sábios que todos os caminhos vão dar a Roma; permitam-nos discordar, em Vigo todos os caminhos vão dar a lado nenhum. Este terceiro dia de jornada começou tal como acabou o segundo, tanto a entrar como a sair de Vigo as sinalizações são inexistentes ou enganadoras e ao partimos rumo a Pontevedra voltámos a desviar-nos da rota definida andando mais do que estava previsto. Apercebemo-nos do erro e corrigimos trajeto para voltarmos a encarrilar no trilho correto. Para o dia de hoje planeámos andar 36km, marca que nos colocaria ao fim do dia 67 de Santiago de Compostela.

Com o corpo amassado ainda do dia anterior acordamos numa Vigo chuvosa e pouco convidativa a andar na rua. Contudo tínhamos um objetivo a cumprir e não olhámos ao mau tempo, uma vez que chuva civil não molha peregrinos. Com o pequeno-almoço tomado, partimos rumo ao primeiro marco do percurso, Redondela. As primeiras duas horas do percurso foram marcados por aguaceiros fortes e ininterruptos que quase abalaram o nosso espírito, mas que não nos fizeram nem abrandar e, muito menos, desistir. Ao caminharmos para fora de Vigo fomos observando as marcas inconfundíveis das principais atividades económicas da cidade, a pesca e o transporte marítimo de mercadorias. Este é o maior porto piscatório da Europa e um dos mais importantes de mercadorias da península ibérica. No horizonte são visíveis os inúmeros focos de aquacultura, tal que nem batalhões do exército à distância.

À medida que o mar deixava de ser visível operava-se uma mudança na paisagem circundante, as ondas do mar e a vista desafogada davam lugar à serra e à floresta cerrada. No meio de chuva intensa continuámos o percurso até Redondela, por vezes com dificuldade em caminhar num autêntico lamaçal que se tinha gerado. A chuva deu por fim tréguas e iniciámos a descida para o destino intermédio. A cidade de Redondela caracteriza-se pelas suas ruas empedradas do centro históricos e pelas suas iconográficas pontes metálicas dos caminhos de ferro. Parámos aqui na Igreja de Santiago de Redondela onde fizemos a nossa oração da manhã e recolhemos o primeiro carimbo do dia, para a nossa credencial.

Saídos de Redondela esperava-nos o próximo conjunto de subidas que nos levariam a Arcade, próxima vila por onde passaríamos. Encontrámos a partir daqui diversos painéis alimentado por peregrinos em que se veem diversos objetos deixados pelos mesmos ao longo dos anos. A passagem por Redondela marcou também a saída do Caminho Português da Costa (Litoral) para a entrada do Caminho Português comum, mais conhecido e por isso mais frequentado, este com passagem por Valença do Minho ao invés de Caminha. Se no segundo dia fizemos 25km sem ver um único peregrino desde este ponto não houve 500m em que não nos cruzássemos com alguém com o mesmo destino, alguns deles portugueses com quem travámos conversas de ocasião.

Mesmo antes de chegarmos a Arcade foi-nos possível vislumbrar o final, quase um lago, da Ria de Vigo a fazer lembras paisagens Açorianas. Findados 22km desde a partida de manhã, chegamos a Arcade, vila galega do município de Soutomaior conhecida como capital das ostras da Galiza devido à produção local deste molusco que dizem ter um sabor especial em consequência das condições biológicas do terreno. Saídos de Arcade deu-se um momento de nostalgia ao passarmos a ponte de Pontesampaio, uma vez que um de nós já a tinha passado na sua primeira peregrinação em 2017. Esta ponte de origem medieval está intimamente ligada à resistência espanhola às invasões francesas tendo-se travado aqui uma importante batalha em 1809.

Passada a ponte o plano seria andarmos até perfazermos cerca de 30km de percurso e pararmos para almoçar então, de forma a resumir a caminhada após refeição a uns meros 6km. O trajeto revelou-se a partir daqui difícil, de inclinação elevada. Iniciámos um trilho pela floresta até à localidade de Gandéron onde almoçámos no único restaurante existente em mais de 10km, Bar Casa Fermín, estabelecimento familiar quase exclusivamente virado para a enchente diária de peregrinos. A caminho deste local travámos mais uma conversa de índole escutista tendo-nos um casal de Cascais interpelado, visto a sua filha ser escuteira; trocámos algumas impressões sobre o tema e partilhámos com eles o nosso destino gastronómico que eles acolheram, também, como seu destino.

Após comermos um tradicional bocadillo pusemos mochilas às costas e partimos para o troço final da nossa etapa, rumo a Pontevedra. Apesar de ser o trajeto mais curto da etapa, de apenas 5km, foi de longe o mais bonito do dia e o mais espiritual. Num ponto em que tínhamos de optar por dois caminhos distintos mas com o mesmo destino optámos pelo percurso complementar, e que boa decisão foi! Fomos presenteados com um maravilhoso percurso ao longo de uma ribeira de um lado e pradarias do outro. Por fim chegámos ao nosso destino final do dia: Pontevedra.

Após encontrarmos um albergue onde ficar e depois do habitual e desejado banho quente, partimos para conhecer um pouco do centro histórico da cidade, comermos algo e participarmos na missa dos peregrinos na Igreja da Virgem Peregrina. Esta cidade galega é um poço de história com a sua arquitetura medieval mas também um local cheio de vida social, comércio local e muito movimento. Cumpridos os primeiros dois objetivos desta saída faltava o final. Foi na já referida Igreja que participámos na missa destinada a peregrinos, professada em Castelhano, foi um missa bonita e que nos reconfortou o coração. Assim terminou mais um dia; amanhã espera-nos um dia com menos quilómetros e com destino à Caldas de Reis.

“Naquele mesmo dia, à tardinha, Jesus disse aos discípulos: «Vamos passar para a outra banda do lago.» Então deixaram o povo e levaram Jesus no barco em que estava sentado. Outros barcos os seguiram. Nisto, levantou-se um grande temporal com ondas tão altas que enchiam o barco de água. Jesus estava a dormir na parte de trás do barco com a cabeça numa almofada. Os discípulos acordaram-no: «Mestre, não vês que estamos perdidos?» Ele levantou-se e mandou ao vento e às ondas: «Parem! Acalmem-se!» E o vento parou e as ondas acalmaram-se. Jesus disse então aos discípulos: «Por que é que estão assustados? Ainda não têm fé?» Eles estavam de facto cheios de medo e diziam uns para os outros: «Mas quem é este que até o vento e mar lhe obedecem?»”

(Mateus 4, 35-41)

André Silva e Manuel Coutinho

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