Pedagogia aos Quadradinhos – Memórias dos Outros Tempos – vinte e seis

Foi muito estimulante o meu contacto com a docência do Desenho nestes primeiros anos no Ciclo Preparatório. Operacionalizando um programa aliciante e moderno, onde as práticas ditadas por ilustres pedagogos como Calvet de Magalhães se vislumbravam em cada rubrica, a disciplina produziu um reencontro pessoal com a vocação de sempre. Como complemento, qual cereja no topo do bolo, brilhava a banda desenhada, uma crescente paixão.

Senti-me, como nunca, realizado. Como pessoa e como profissional, nada poderia ter sido mais compensador do que tal oportunidade.

Impulsionado pela experiência proporcionada pelo Xico Queirós, nos trabalhos de fundo traduzidos nos livros da colecção Magistério Complementar como nos programas da Rádio Escolar/Telescola, senti-me capaz de elaborar uma obra original destinada aos jovens, diferente daquelas que o mercado didáctico começava a oferecer-lhes, explorando as novas fronteiras do Desenho.

Gastei meses de aturado e reflectido trabalho, seguindo objectivos muito precisos, onde as propostas fossem organizadas sob a forma de desafios, desprezando regras e conceitos prévios, apostando essencialmente na criatividade e utilizando o mais possível as técnicas e os atractivos ligados à ficção e sobretudo à banda desenhada.

E assim surgiu O meu primeiro caderno de Desenho. Pensado sob a forma e dimensões de um álbum de qualidade, exigindo uma montagem complexa e incluindo custosos direitos de autor (sobre Tintin e outros), o projecto não foi aceite pelo responsável, então já um amigo, da Atlântida Editora de Coimbra. Tratava-se, comercialmente, de um investimento com retorno financeiro incerto.

Ocorreu-me então uma entidade que entendi como potencialmente interessada no desafio: os Serviços Educativos da Fundação Calouste Gulbenkian. Através de um intermediário julgado credível, fiz-lhes chegar um protótipo da obra, constando do original cuidadosamente manuscrito contendo, coladas nos respectivos locais, todas as ilustrações -desenhos e fotografias- num conjunto do qual nem sequer me restou uma cópia integral, dados os rudimentares processos de reprodução de que na época podia dispor.

Nunca obtive qualquer resposta, nem sequer negativa… Nada!

A experiência constituiu, portanto, um dos diversos planos frustrados que a vida me proporcionou. Raramente penso nisso, mas ao nível destas memórias (ou confidências!) nelas encontro pretexto para recordar, na medida do possível, esse desígnio pessoal.

Apenas disponho dos rascunhos do texto e das ilustrações, não possuindo a projecto da capa nem cópias das fotografias, de estúdio e muito cuidadas. Se um dia estiver disponível o arquivo do fotógrafo portalegrense Leitão Realinho, daí constarão os negativos desses trabalhos, datados dos inícios dos anos 70 do século XX…

A singela leitura dos títulos dos trinta capítulos do livro, em cerca de duzentas páginas (no esboço manuscrito, em formato A5), desde logo dará conta da sequência e do estilo que pretendi imprimir ao trabalho, muito mais um ponto de partida que de chegada, muito mais um conjunto de provocações que de receitas. A surpresa, o jogo, a aventura e os quadradinhos são também uma evidência que dali transparece.

António Martinó de Azevedo Coutinho

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