Manuel do Carmo Peixeiro – 11

XI – … e Portalegre?

 No dia da inauguração do Museu da Tapeçarias de Portalegre – Guy Fino, a 14 de Julho de 2001, o presidente da República, Jorge Sampaio, lembrou a sua memória no discurso proferido a propósito:
Foi nesta cidade, de Portalegre, que nasceu a Tapeçaria portuguesa moderna, graças ao talento, à sensibilidade e ao aturado labor de Manuel do Carmo Peixeiro, o criador da Tapeçaria portalegrense e do seu ponto original, valendo-se de um grande espírito inventivo e dos profundos conhecimentos técnicos que adquiriu ao longo das sua vida. Nos anos 40, Manuel do Carmo Peixeiro aliou a sua criatividade e conhecimentos à iniciativa de Guy Fino que foi nas palavras tão justas de Manuel Peixeiro, ‘a alma da expansão e prestígio da nova Manufactura de Arte’. Estes homens souberam interessar e associar ao que queriam fazer numerosos artistas portugueses e estrangeiros, da mais alta qualidade, que entre as suas obras passaram a contar com admiráveis cartões para tapeçaria.”

 

Porém, a presença de Manuel Peixeiro neste belo espaço museológico em pouco ultrapassa o meramente simbólico, com uma única foto de fraca qualidade e uma discreta, quase “envergonhada”, referência…
Um dos mais modernos testemunhos sobre Portalegre, as melhores tapeçarias do mundo, encontramo-lo na obra Os Anos de Salazar (volume 10, Planeta DeAgostini, 2008), no artigo com aquela designação, assinado por João Marques Lopes. Depois de evocar a tranquila vida cultural portalegrense da época, sob a égide da tertúlia de José Régio, pelos inícios dos anos 50 do passado século, o articulista descreve o reconhecimento público do mérito da tapeçaria ali criada. E escreve:
A aposta de Manuel do Carmo Peixeiro nas possibilidades artísticas do ‘ponto de Portalegre’, que, ao contrário do internacionalmente reconhecido ‘ponto francès’, não deixava qualquer efeito de ‘escadinha’ e permitia assim uma maior precisão no acabamento do desenho transposto do cartão, parecia não estar a surtir grande resultado. (…) O industrial Guy Fino teve a ousadia de montar uma pequena mostra paralela e de convidar os técnicos e os artistas franceses a visitá-la a fim de compararem a qualidade plástica das tapeçarias francesas com a de Portalegre. (…) Daqui ao reconhecimento internacional foi um enorme impulso, só devidamente consagrado mais para o fim da década de 50, quando o conhecido artista francês Jean Lurçat se tornou no grande difusor da tapeçaria portalegrense. A aposta de Manuel do Carmo Peixeiro começava, portanto, a ser ganha. Embora ele já não fosse, em 1952, o grande motor do projecto, pois esse papel cabia agora ao seu filho Manuel Celestino Peixeiro e a Guy Fino, era a ele que se devia a invenção do ‘ponto de Portalegre’ e a ideia inicial de cruzar arte e indústria através da manufactura de tapeçarias.

 

Em finais de 2010, por um fútil pretexto, gerou-se um dispensável conflito entre as famílias Fino e Peixeiro. O jornal Margem Sul Online levou a cabo uma votação destinada a eleger sete maravilhas alentejanas, com o declarado objectivo de divulgar a região alentejana. Entre as eleitas encontrou-se a Tapeçaria de Portalegre.
Esta quase anónima iniciativa, hoje completamente ignorada -se é que alguma vez teve qualquer significado-, terá proporcionado uma alusão pública ao nome de Guy Fino, anexado ao do Museu, e relegado para um total desprezo o nome de Manuel Peixeiro. O facto desencadeou uma reacção por parte de familiares deste, sentindo a sua memória injustiçada, nomeadamente através duma carta aberta dirigida ao presidente da autarquia portalegrense. A direcção da Manufactura de Tapeçarias respondeu, fazendo sentir que a polémica desencadeada era claramente prejudicial, tornando-se susceptível de ofender a credibilidade e o prestígio da instituição, bem como a honra e consideração dos seus proprietários. Felizmente, tudo passou, mas terá deixado certas cicatrizes…

 

Um recente folheto intitulado Nós na arte – tapeçaria de Portalegre e arte contemporânea assinala uma série de exposições organizadas pelos Museus da Presidência da República e da Tapeçaria de Portalegre – Guy Fino. É inegável o seu bom gosto e a sua qualidade gráfica. O seu texto de apresentação inicia-se por dois parágrafos que se transcrevem:
Herdeira da tradição francesa e belga de tapeçaria mural, a Tapeçaria de Portalegre é considerada a melhor tapeçaria mural do mundo.
Fundada em 1946, por Guy Fino e Celestino Peixeiro, a Manufactura de Portalegre representou um ponto de viragem na história da tapeçaria mural. Adotou uma nova técnica de tecelagem, conhecida como o ponto de Portalegre e associou a sua produção a grandes nomes da arte contemporânea nacional e internacional.”
Quero acreditar que apenas uma distracção, não intencional, terá aqui escamoteado a justa e obrigatória referência a Manuel do Carmo Peixeiro. A não ter assim acontecido, estaríamos perante um acto de abominável censura, no melhor estilo da ficção que George Orwell tão bem descreveu em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro. Em boa verdade, a História não se apaga nem as suas páginas podem ser grosseiramente estropiadas. A verdade sobrevive, sempre.

 Manuel do Carmo Peixeiro, covilhanense de nascimento e portalegrense por opção, marcou a nossa cidade pelo contributo, incontornável, que lhe prestou. De facto, quando se liga o nome de Portalegre à sua mais qualificada embaixatriz cultural e artística -as nossas Tapeçarias-, o seu nome deve ser sempre associado a este justo motivo de orgulho e qualidade. E de diferença.
Guy Fino, João Tavares e Manuel Peixeiro constituem uma trindade invulgar. E indissolúvel. José Régio assumiu-se como um autêntico cronista, quase oficial, da gesta tapeceira e dos seus protagonistas.
Porém, se de entre a trindade tapeceira alguém perguntar pelo elemento fundamental, quase me apetece responder de forma panfletária: Pai da Tapeçaria Portuguesa só há um, Manuel do Carmo Peixeiro e mais nenhum!

Como comunidade à qual Manuel do Carmo Peixeiro deu o melhor da si próprio, seremos capazes de entender o exemplar comportamento que Oeiras, a tal propósito, nos revelou?

Portalegre nunca foi capaz de acarinhar José Régio durante toda a sua longa permanência entre nós. Atreveu-se mesmo a vandalizar, oficialmente, a memória de José Duro. Como poderemos esperar que recorde e louve, na dimensão devida, esse Homem invulgar que foi Manuel do Carmo Peixeiro?

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 10

X – O exemplo de Oeiras

Pelo final de Março e princípio de Abril de 1969, A Capital, vespertino nacional já desaparecido, publicou nas suas páginas uma reportagem em três partes intitulada Vinte e Dois Anos da Tapeçaria em Portugal. Subscreveu o trabalho o jornalista Helder Pinho, tendo como base uma interessante perspectiva histórica sobre a tapeçaria em geral e, sobretudo, as declarações de Guy Fino. Daí se transcreve um trecho da primeira parte da reportagem:
Manuel do Carmo Peixeiro – o Pai da Tapeçaria Portuguesa. Mas qual a diferença entre o ponto francês e o português? Qual a notável e original criação introduzida na tapeçaria por Manuel do Carmo Peixeiro, reconhecidamente considerado como Pai da Tapeçaria Portuguesa? É ainda Guy Fino que nos responde: – Tinham passado cinco anos desde o nascimento da primeira tapeçaria tecida em Portalegre sobre cartão do pintor João Tavares e poder-se-ia dizer então que ela tinha acabado de dar os primeiros passos com firmeza. Havia um grande caminho percorrido desde que em 1947 Manuel do Carmo Peixeiro nos entregara um pequeno quadrado de tapeçaria, no qual se condensava toda a sua técnica. Havia que transpor a teoria para a prática, e houve terríveis obstáculos a vencer. Eis como nos é exposta a verdadeira diferença: – Na verdade, se houvéssemos querido seguir a técnica tradicional de tecelagem de tapeçaria – cruzamento simples da teia com a trama decorativa, com cosimento posterior das zonas de cor justapostas no sentido da teia – não teríamos que vencer as dificuldades que encontrámos, pois elas já tinham sido vencidas por outrem. Mas queríamos uma tapeçaria inteiramente portuguesa – envolvimento da teia pela trama decorativa, com a inclusão de uma trama de ligação a evitar o cosimento das zonas de cor justapostas no sentido da teia – e isso custou-nos muito trabalho, muito tempo, mesmo muitas desilusões. Com duas palavras animadoras, um dos mestres de lanifícios em Portalegre finaliza assim o seu depoimento: – A nova técnica existia e com ela conseguia-se obter os mesmos efeitos, a mesma interpretação fiel dos cartões dos artistas, como se da técnica tradicional se tratasse. O aspecto final da superfície decorativa, a face da tapeçaria, era tão semelhante que os próprios conhecedores se enganavam. E na verdade, o trabalho da Manufactura do Alto Alentejo impusera-se definitivamente.”

 

Mais tarde, em 11 de Dezembro de 1972, um executivo autárquico portalegrense deliberou atribuir o nome de Manuel Peixeiro a uma rua da cidade, sita no Bairro do Atalaião. Foi assim prestada alguma justiça pública para com o seu nome, na companhia de outras duas personalidades de relevo no sector industrial portalegrense.
A Acta n.º 49, relativa à reunião ordinária do executivo municipal, refere a presença do presidente, Manuel de Jesus Silva Mendes, do vice-presidente Óscar Gonçalves Boavida Malcata, e dos vereadores Wladimiro Spohr, Manuel Inácio Pestana, Margarida de Jesus Serras Fraga do Amaral, Mariano Firmino Costa Pinto e Francisco Próspero dos Santos.
Na rubrica “Designação dos novos arruamentos da Cidade” pode ler-se: “Pelo vereador senhor professor Manuel Inácio Pestana foi apresentada a seguinte proposta: ‘Tendo em consideração os serviços prestados ao progresso da cidade e parecendo justo lembrar a Portalegre, no presente e no futuro, os seus nomes ilustres, proponho que, na nomenclatura toponímica dos novos bairros da cidade, sejam considerados os nomes dos industriais Francisco Fino, Pai; Manuel Peixeiro e Pedro Vicente.’ A Câmara tomou conhecimento e deliberou, por unanimidade, dar a sua concordância à proposta acima transcrita.”

No dia 14 de Dezembro de 1993, a Escola Secundária Sebastião e Silva, de Oeiras, iniciou as comemorações do 1.º Centenário do Nascimento de Manuel do Carmo Peixeiro. Estas integraram a elaboração dum painel alusivo à data, incluindo fotografias do homenageado, das diversas residências em que habitou, dados biográficos e pequenas amostras das tapeçarias executadas. No texto então elaborado pelo director da escola, J. Santos Pereira, pode encontrar-se a justificação desta jornada de evocação e homenagem:
Porquê esta Comemoração na Vila de Oeiras? Porque Manuel do Carmo Peixeiro viveu aqui os últimos anos da sua vida; porque, embora tenha morrido em Portalegre, os seus restos mortais foram trasladados para o Cemitério de Oeiras, onde mandara construir um jazigo de família. Se Portalegre o acolheu em sua pujança criadora, Oeiras recebeu-o na sua fase derradeira. Assim, porque por aqui passou, deixou amigos, e aqui jaz, recordar a sua memória poderá servir de estímulo a futuros criadores e inventores de que se tornou exemplo. Manuel do Carmo Peixeiro foi quem sonhou e deu todos os passos na criação da nova Tapeçaria de Portalegre, podendo dizer-se que, sem o seu talento técnico e artístico, não teria existido. (…) O desenvolvimento posterior das Tapeçarias de Portalegre continuou, pois, a fazer-se sob a orientação da Família Finos, mas, em particular, graças à iniciativa, tenacidade e gosto de um indutrial nada vulgar que é Guy Fino. Às comemorações deste Centenário convém, ainda, associar todos os cartoonistas, assim como as humildes executoras das Tapeçarias, a quem se exigiram aptidões que não possuiam mas que, com muita paciência e empenho, foram adquirindo: ‘corrigindo, apurando, comunicando umas para as outras a experiência adquirida’ (José Régio – Eva do Natal, 1959). Ora, como no começo ninguém sabia nada de nada, foi Manuel do Carmo Peixeiro que, após uma paciente e longa exercitação, as adestrou nesta delicada tarefa, ensinando-lhes a nova técnica por ele inventada e pacientemente experimentada num pequeno tear manual que se encontra guardado na sua casa de Oeiras.”
Palavras simples, justas e sábias, que “explicam” uma sensibilidade que apenas se torna surpreendente porque aconteceu em Oeiras e não em Portalegre.

 

Prolongaram-se com diversas realizações locais estas comemorações que culminaram a 14 de Março de 1994, três meses depois da sua abertura, com uma conferência proferida pelo dr. Manuel Guimarães, no Complexo Social das Forças Armadas (hoje Centro de Apoio Social), em Oeiras, subordinada ao tema As Tapeçarias de Portalegre – Manuel do Carmo Peixeiro: uma Nova Tapeçaria no Mundo. O Correio da Manhã dessa data noticiou o acontecimento, acompanhada duma magnífica fotografia do homenageado, com uma significativa legenda: Manuel do Carmo Peixeiro, são dele as Tapeçarias de Portalegre.
Mas, ainda em Oeiras, o respeito pela memória de Manuel do Carmo Peixeiro não ficou por aqui. Durante a segunda metade do ano de 1995, desenvolve-se no seio da autarquia oeirense um processo destinado a fixar publicamente o seu nome na toponímia local.
Nos documentos preliminares surge uma foto do homenageado sobre a qual é manuscrita uma nota, do seguinte teor: “À Secção de Toponímia, penso que será de considerar a atribuição de um topónimo, atendendo à sua vinculação ao Concelho. Contacto para mais informações: Dr. Santos Pereira.” Pelo Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística foi elaborada uma proposta, assentando na sumária biografia de Manuel Peixeiro, onde é destacado como “Criador das Tapeçarias de Portalegre.”

 

A fase imediata sintetiza-se num ofício da Junta de Freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra dirigido ao presidente da Câmara Municipal de Oeiras, onde se atesta que numa sua reunião de 23 de Setembro de 1995, “a Junta concedeu por unanimidade parecer favorável à designação toponímica Largo Manuel do Carmo Peixeiro ao espaço compreendido entre as Ruas Manuel Couto Viana e Artur Lobo de Ávila.
O vereador do Pelouro, José David Gomes Justino, apresentou a proposta no dia 25 de Outubro. Precisamente um mês depois, em reunião ordinária do executivo municipal de Oeiras, foi aprovada a atribuição do nome de Manuel do Carmo Peixeiro ao largo atrás descrito.

António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 9

IX – Guy Fino e João Tavares

 O Assento de Óbito, n.º 258, refere a morte por esclerose do miocárdio, confirmando todos os seus dados familiares e a morada na Rua Guilherme Gomes Fernandes, São Lourenço, Portalegre, ainda que em nota anexa acrescente que residia na freguesia de Santo Amaro de Oeiras.

 

O Distrito de Portalegre de 3 de Outubro, na sua secção À Sombra da Cruz, trazia a notícia da morte do ilustre extinto:
Manuel do Carmo Peixeiro – Com 70 anos de idade, faleceu nesta cidade o Sr. Manuel do Carmo Peixeiro, natural da Covilhã, nosso estimado assinante. O extinto era diplomado em engenharia têxtil pela Escola de Roubaix. Foi o criador dos tapetes da Ponte da Pedra, no Porto, tapetes de Portalegre e fundador da fábrica das sedas da cidade. Pessoa de raras qualidades artísitocas, criou recentemente a indústria de tapeçarias murais decorativas, já bem conhecidas e que perdurará na história das artes em Portugal pela originalidade do ponto e seu poder decorativo. Era pai do Sr. Manuel Celestino Lopes do Carmo Peixeiro, funcionário da Shell Portuguesa, e das Sr.as D. Maria Emília Juzarte Lopes Peixeiro, D. Maria do Carmo Cid de Araújo Juzarte Lopes Peixeiro, D. Maria de Lourdes Cid Juzarte Lopes Peixeiro da Cruz Homem, D. Maria Teresa Juzarte Lopes Peixeiro Botelho de Miranda, D. Maria Filomena Juzarte Lopes Peixeiro e D. Maria de Jesus Juzarte Lopes Peixeiro, sogro da Sr.ª D. Amélia Zita da Silva Oliveira Peixeiro, e dos Srs. Eng.º Carlos Santos Redondo, Arquitecto António Tavares Lopes Cruz Homem e Dr. Manuel Gil Botelho de Miranda. Ontem realizou-se o funeral, desta cidade, para jazigo de família no cemitério de Oeiras. ‘O Distrito’apresenta à família enlutada sentidos pêsames.”
A Câmara Municipal de Portalegre, logo na sua sessão do dia 6 desse mês, lavrou na acta respectiva um voto de pesar pela morte deste ilustre cidadão.
A Acta n.º 37, relativa à reunião ordinária do executivo municipal, refere a presença do presidente, Manuel de Jesus Silva Mendes, do vice-presidente Francisco José Roseta Fino, e dos vereadores Emílio Gonçalves Mourato Moreira, Óscar Gonçalves Boavida Malcata, José Maria Ceia Júnior e Rui Roque Lopes, não tendo comparecido, justificadamente, os vereadores António Luís Leite de Sampaio Soares e Manuel Inácio Pestana.

 

Daí transcrevo: “O vice-presidente Francisco José Roseta Fino, referindo-se ao falecimento do senhor Manuel do Carmo Peixeiro, sugeriu que na acta desta sessão ficasse consignado o seguinte voto de pesar: ‘Com a morte de Manuel do Carmo Peixeiro perde Portalegre um dos homens que melhor soube apreciar o muito de belo que tem a nossa cidade e a nossa região. Nas suas actividades profissionais -a criação da indústria dos Tapetes de Portalegre e das Sedas de Portalegre- procurou sempre que elas fossem motivo de valorização para a cidade. Ainda no plano profissional a ele se deve a criação do ponto da tapeçaria portuguesa, base para uma indústria estética de alto nível em Portalegre. A sua sensibilidade artística levou-o a colaborar valiosamente, como membro da Comissão Municipal de Turismo de Portalegre, em diversas exposições nacionais, como a do Mundo Português em mil novecentos e quarenta, sempre com a preocupação de dar a conhecer, e da melhor forma, a vida da nossa região. Por tudo isso, proponho que na acta se consigne um voto de pesar pela perda deste grande amigo de Portalegre e do mesmo se dê conhecimento à família do extinto.’ A Câmara, por unanimidade, associou-se à proposta do senhor vice-presidente, que foi aprovada por unanimidade.”

 

No dia 8, o exemplar do jornal A Rabeca incluia a notícia da morte de Manuel Peixeiro, na secção Lutuosa: Manuel do Carmo Peixeiro – Aos estragos de lesão cardíaca, finou-se na passada quinta-feira, dia 1, o sr. Manuel do Carmo Peixeiro, de 70 anos, natural da Covilhã. Diplomado em engenharia têxtil o antigo industrial nesta cidade, onde fundara a Fábrica das Sedas que teve justa fama, foi também o criador dos Tapetes de Portalegre e da indústria artística de Tapeçarias murais decorativas, com larga projecção no País e no estrangeiro, em tudo revelando os seus excepcionais dotes artísticos. O saudoso extinto era casado com a sr.ª D. Maria de Lourdes Juzarte Lopes Peixeiro; pai do … (…) O cadáver foi conduzido para o cemitério de Oeiras, sendo ali depositado em jazigo de família. Deplorando o desaparecimento do prestante cidadão e grande amigo de Portalegre, apresentamos aos enlutados as nossas condolências.”
No dia 10 de Outubro, O Distrito de Portalegre publicou um dos mais notáveis e autorizados textos alguma vez escritos sobre Manuel Peixeiro. Foi seu autor o Dr. João Tavares.

 

PORTALEGRE
PERDEU UM VALIOSO AMIGO

MANUEL DO CARMO PEIXEIRO, nome que em Portalegre deverá sempre ser escrito com letras de caixa alta, ainda maiores do que aquelas que o tipógrafo agora aqui empregou, morreu em Portalegre no passado dia 1 de Outubro.
Morreu, mas ficou e ficará para sempre bem viva a sua memória para todos que tiveram a sorte de conviver e compreender o esclarecido espírito criador e artístico deste extraordinário HOMEM.
MANUEL PEIXEIRO, além de técnico muito competente era principalmente um ARTISTA.
Como tal, dotado de uma sensibilidade criadora que o levava a estar constantemente a congeminar ideias que pretendeu sempre pôr em prática, ligando-lhe o nome de PORTALEGRE.
Assim, aconteceu com os TAPETES DE PORTALEGRE,  de ponto da sua invenção e que ainda hoje conseguem ser os melhores que se fabricam no nosso país.
Tive eu a honra de, ainda rapazinho do Liceu, desenhar os primeiros TAPETES DE PORTALEGRE.
O mesmo com as famosas SEDAS DE PORTALEGRE, que em fabrico de seda natural rivalizavam e por vezes substituíam as melhores de origem estrangeira.
Aqui, a minha colaboração limitou-se apenas a ter o prazer de vestir algumas camisas feitas dessas maravilhosas sedas naturais que ainda hoje recordo com saudade.
Foi MANUEL DO CARMO PEIXEIRO que inventou o PONTO PORTUGUÊS das conhecidas TAPEÇARIAS DE PORTALEGRE, e foi ele ainda que, ensinando as primeiras operárias, criou nesta cidade esta admirável indústria artística.
Bastaria esta dádiva a Portalegre, para que todos nós, mesmo até os menos sensíveis, nos sentíssemos gratos pela grande prova de amizade com uma terra que, não sendo a sua, amou apaixonadamente.
Quis também MANUEL PEIXEIRO que fosse eu o primeiro a executar cartões para serem interpretados no seu novo ponto de tapeçaria.
Eu tive a sorte de ter MANUEL PEIXEIRO como um grande amigo e por isso muitas vezes, do que ele muito gostava, trocava impressões comigo sobre os seus anseios e novas ideias que tinha sempre em mente.
Por esta razão tenho conhecimento das últimas criações que MANUEL PEIXEIRO desejaria também dedicar a Portalegre: os MOSAICOS DECORATIVOS DE PORTALEGRE e os PARAMENTOS ARTÍSTICOS DE PORTALEGRE.
A doença que nos últimos anos o atormentava não lhe permitiu concretizar estas duas últimas criações, mas pelo que sei e vi delas posso da melhor maneira testemunhar em seu favor.
Se nem todos os empreendimentos de MANUEL PEIXEIRO tiveram a continuidade que felizmente tem a TAPEÇARIA, foi porque nem sempre teve a sorte de encontrar um dirigente esclarecido, sensível e apaixonado como Guy Fino, que como todos sabem tem, como Director da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, conseguido elevar-lhe o nível e dar-lhe expansão, impondo-a em todos os cantos do Mundo.
Mas, além dos empreendimentos indicados, a cidade de Portalegre deve ainda a MANUEL DO CARMO PEIXEIRO a influência constante que durante anos exerceu em todos com quem conviveu.
Além de Artista que era sempre, era um homem culto, acentuadamente educado e elegante em todos os momentos da sua vida e como tal obrigava os outros a compartilhar um pouco das suas raras qualidades.
Estas lições diárias, numa cidade como Portalegre, aonde os valores como MANUEL PEIXEIRO são infelizmente raros, não têm preço e só podem ser pagas com gratidão

João Tavares

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 8

VIII – Um auto-retrato (quase póstumo)

Tem o valor de uma antologia, pela sua raridade e também pela qualidade, um texto da autoria de Manuel Peixeiro, certamente ainda abalado, que redigiu por insistência da Revista Turismo – Arte, Paisagem e Costumes de Portugal. Reconhecida pela sua qualidade, esta publicação divulgou, no seu n.º 5 (4.ª série), ano XXVII, de 1963, um artigo intitulado “Mestre” Peixeiro fala das Tapeçarias de Portalegre. A revista antecede o texto original dum breve e significativo preâmbulo onde se pode ler: “Ao incluir nas suas páginas uma valiosa ‘crónica’ de Manuel do Carmo Peixeiro, considerado que é o Pai da Tapeçaria Portuguesa, Revista Turismo sente-se verdadeiramente lisongeada e agradecida porquanto ela corresponde a um pedido nosso. A notável e original criação que Manuel do Carmo Peixeiro introduziu em Portugal, da chamada Tapeçaria de Portalegre e que só depois de vários anos de persistente estudo conseguiu concretizar, tornou-se já tão valiosa que injusto seria referir essa já próspera indústria sem a ela ligar o nome do seu criador. Desde que frequentou a Escola Têxtil de Roubaix e lhe nasceu a ideia duma Tapeçaria Portuguesa de características próprias, toda a sua vida a tem dedicado a este grande empreendimento.”

 

Eis o texto, integral, deste autêntico “testamento espiritual” de Manuel do Carmo Peixeiro:
A revista Turismo pede-me algumas palavras sobre as tapeçarias de Portalegre. Tendo sido eu o criador do seu ponto, declinei o amável convite por julgar não dever eu próprio vir aqui falar de tal assunto.
Mas, insistindo comigo, aqui estou a fazer um resumo da sua história. Quando, há muitos anos, frequentei a Escola Têxtil de Roubaix, manifestei sempre predilecção por tecidos de arte. Daí nasceu a ideia de, um dia, tentar criar um tipo original de tapeçaria que, além do grande efeito decorativo das tapeçarias flamengas, da Idade Média, tivesse vantagens de ordem técnica que suprissem os defeitos que, a meu ver, tiravam certo valor àquelas.
Assim, de estudo em estudo, de experiência em experiência, ao fim de dezenas de pequenas amostras de ensaio por mim executadas num rudimentar tear vertical, decidi-me pela que mais vantagens apresentava para o meu ponto de vista. Consegui, assim, uma tapeçaria originalíssima, sem a mais pequena semelhança com qualquer outra.

 

Ponto verdadeiramente másculo, de solidez absoluta e tão grande, que já tem havido quem mande executar tapetes de diversas dimensões, precisamente no ponto das tapeçarias, e que colocados no chão resistem ao uso com autênticos tapetes de Smyrna. Ideia com a qual discordo em absoluto, pois não foi criada com tal fim, mas a sua forte, compacta, resistente contextura permite que se pratiquem tais heresias!
Além das qualidades a que me referi, tem uma outra e esta foi o objectivo primordial quando resolvi proceder aos ensaios de pontos diversos, quero referir-me ao seu efeito decorativo, que, releve-se-me a afirmação, suplanta a das valiosas e decorativas tapeçarias flamengas da Idade Média. E tal efeito torna-se muito mais flagrante se atendermos à importância que tem a incidência da luz sobre a superfície da tapeçaria em direcção oblíqua, não importando que seja da esquerda para a direita, ou em sentido inverso. A iluminação, natural ou artificial de uma tapeçaria, é de grande importância e responsabilidade, pois não se atendendo à mesma não se consegue obter todo o belo e atraente efeito que se pretende. Deve procurar-se que ela renda o máximo efeito decorativo, que faça realçar todos os seus predicados que nos arrebatam e nos encantam e nos prendem, dia a dia, cada vez mais. Uma tapeçaria de arte é, para quem seja dado a coisas do espírito, um objecto de tal maneira atraente que, com tempo, chega mesmo a tornar-se apaixonante. Oh! os que viveram na Idade Média não gozaram os benefícios da bomba atómica, nem os requintes da nossa actual civilização, mas gozaram a vida com deleites espirituais que hoje as velocidades supersónicas e coisas quejandas nos vedam.
Tinham uma vida que não ultrapassava a média de quarenta anos? Não importa. A imutável lei das compensações favorecia-os por outro lado, e largamente.
Assim, voltando a falar da colocação e iluminação, a tapeçaria tem o direito a impor-se à arquitectura da sala que vai construir-se ou ao arranjo a fazer na sala já existente. Outros requisitos de certa importância há ainda que atender. De contrário, a arte sofre grande atropelo.

 

Depois de feitas estas considerações, com o único fim de aclarar certos pontos de vista, ainda bastante confusos, devo dizer que devido à falta de saúde e à minha vida muito ocupada na fábrica de sedas de Portalegre, só alguns anos depois de muitos ensaios feitos, executei as primeiras tapeçarias de Portalegre. Depois os industriais Finos, proprietários da fábrica de lanifícios, fizeram comigo um acordo para a exploração, em maior escala, das tapeçarias. Trata-se de três irmãos desempoeirados e de grande actividade industrial, sendo Guy Fino, o mais velho, o que verdadeiramente tem sido a alma da expansão e prestígio da nova Manufactura de Arte, pondo mesmo da parte proventos materiais em favor da parte espiritual que dimana do lidar com tão artística fabricação.
Os artistas também têm contribuído muito para o seu elevado nível artístico e por consequência para a sua expansão no país e estrangeiro.
O artista que ajudou a tapeçaria nos seus primeiros passos foi o pintor doutor João Tavares, professor do Liceu desta cidade, que me desenhou os primeiros cartões e, depois, tem continuado, podendo calcular-se os seus trabalhos para a Manufactura em algumas dezenas, acompanhando sempre de perto todas as actividades como consultor artístico. A capa desta revista reproduz um pormenor destes seus belos trabalhos. Depois vem uma plêiade de muitos outros como o grande e pessoalíssimo pintor-decorador Guilherme Camarinha, Renato Torres, de grande sensibilidade, Júlio Pomar, actualmente recebendo uma verdadeira consagração com os trabalhos que expõe na galeria de Arte do ‘Diário de Notícias’, Ventura Porfírio, Almada Negreiros, originalíssimo em toda a sua arte, sua esposa D. Sara Afonso, António Lino, Lino António, Jorge Barradas, Manuel Lapa, Tom, arquitectos Calvet da Costa e Pedro Leitão, Marcelo de Morais, Kradofer, Milly Possoz, Jenny, Rogério Ribeiro, Vieira da Silva, François Lauvin, Martins Barata, Lima de Freitas, Maria Keil, Carlos Botelho, Lars Gynning e muitos outros mais que me não ocorrem neste momento.
Aproveito este ensejo para agradecer a todos os críticos de Arte, escritores e jornalistas, as encomiásticas palavras com que se têm referido às tapeçarias de Portalegre, e de um modo muito especial ao poeta doutor José Régio que, sempre que se lhe proporciona a ocasião diz o ‘pior possível’ das tapeçarias. Velho amigo, e aqui vivendo, ele assistiu à execução dos estudos e trabalhos que fiz até chegar ao fim. Igualmente muito me encorajou a doutora D. Maria José Mendonça, então conservadora do Museu das Janelas Verdes e actualmente directora do Museu dos Coches.
Uma referência também a Jean Lurçat, grande pintor e cartonista francês que conseguiu dar novamente vida à quase extinta manufactura francesa de tapeçarias, o qual, interessando-se pelas de Portalegre, veio a Portugal e a esta cidade já várias vezes para resolver problemas de fornecimentos para outros países, expansão até hoje muito prejudicada pelos direitos de importação quase proibitivos, em vigor nesses países. Não fosse tal espécie de proibição, a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre seria hoje, mundialmente, das mais importantes manufacturas de Arte, podendo mesmo afirmar-se, sem receio, ser já no nosso país a primeira dentro do campo artístico.
O Estado muito tem contribuído também para o desenvolvimento desta manufactura, adquirindo tapeçarias para muitos palácios de justiça, Cidade Universitária de Lisboa, várias faculdades de Coimbra, ministérios, pousadas, hotéis, ofertas a figuras da alta política internacional, etc., etc.
Enfim, poderia alongar-me em muitas outras considerações se a revista Turismo fosse especialmente de índole técnica.

MANUEL DO CARMO PEIXEIRO

  

Manuel Peixeiro, já debilitado pela doença ao escrever este magnífico depoimento pessoal, não sobreviveria por muito tempo à perda da esposa, pois faleceu na nossa cidade, onde entretanto regressara, no dia 1 de Outubro de 1964.

António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 7

VII – O cronista Régio

O Distrito de Portalegre do dia 19 de Abril de 1958 revela um interessante e oportuno texto da autoria de João Tavares, onde o artista portalegrense relata a visita de Jean Lurçat, o mestre renovador da tapeçaria francesa, a Portalegre. e, com natural orgulho, cita a opinião do mestre sobre a excepcional qualidade aqui por ele encontrada. E, a certa altura, escreveu:
É portanto de toda a justiça endereçar parabéns a todos que, dentro do bom caminho, têm colaborado em tão bela obra, e muito em especial quer ao Sr. Manuel do Carmo Peixeiro, inventor do ponto usado nas tapeçarias de Portalegre e criador, nesta cidade, desta belíssima indústria artística, quer ao actual dirigente Sr. Guy Roseta Fino.”
João Falcato, borbense radicado em Elvas, professor, jornalista e escritor com projecção nacional, dedicou atenção à nossa tapeçaria em dois excelentes artigos (Um claro Sol se levanta… e Antes tarde do que nunca… ) que fez publicar em O Distrito de Portalegre, em Julho e Agosto de 1959, louvando a oportuna iniciativa do presidente da Câmara Municipal de então, eng. Fraga do Amaral, ao valorizar o edifício municipal com uma bela e adequada tapaçaria alusiva a um episódio histórico local. Em prosa de alta qualidade literária, o autor saúda João Tavares, Guy Fino e Manuel Peixeiro, numa clara consciência da importãncia destes homens na construção duma obra.
Lamenta-se que o abandono e a inerente degradação do histórico edifício filipino tenham roubado significado a esta magnífica tapeçaria, indissoluvelmente ligada ao sítio, à data e ao acontecimento, contexto que a mudança da peça desvirtuou, a diversos níveis de apreciação. A sua actual implantação, no novo edifício municipal (por coincidência o local onde “nasceu”), não permite o suficiente distanciamento do observador que permita uma sua merecida apreciação global.

 

Não se destina este texto a evocar a história fascinante da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre (assim se passou a designar a empresa a partir de 1962), porque essa está feita por quem muito melhor do que eu a poderia escrever. O meu objectivo é apenas o de recuperar, de um certo e injusto esquecimento, o nome e a obra de Manuel do Carmo Peixeiro.
Continuamos, por isso, a seguir Régio, que se tornou o superior cronista da gesta tapeceira local, que aliás conhecia como poucos. Na revista Eva (Natal de 1959), ele escreveu:
Nunca Manuel Peixeiro se desinteressou da sua invenção, que possibilitou à tapeçaria portuguesa uma incontestável originalidade técnica; antes continua a sonhar aperfeiçoá-la em pormenores de modo nenhum desprezíveis.”
E, mais adiante, acrescenta:
Para quem assistiu às primeiras experiências de Manuel Peixeiro, sobre minúsculas tapeçarias, do ponto de sua invenção; para quem acompanhou João Tavares na realização, naturalmente ainda hesitante, dos primeiros cartões; para quem viu Guy Fino ensaiar os primeiros esforços de colocação das primeiras produções duma indústria-e-arte que tanto viria a exigir da sua actividade – a actual tapeçaria de Portalegre quase parece um milagre. Quero dizer: a extraordinária concretização dum daqueles sonhos e, todavia, secretamente sonhamos que um dia se realizem.”
São estes, com efeito, os três pilares fundamentais da Tapeçaria de Portalegre.

 

Ainda no mesmo artigo, Régio explica que não foi apenas a tradição que fez nascer, precisamente aqui, este pequeno “milagre”, mas “três homens: um técnico de espírito criador, um artista capaz de o entender, um industrial de gosto e iniciativa nada vulgares.”
Manuel Peixeiro, João Tavares e Guy Fino são a alma e o corpo da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Não poderá nunca fazer-se uma evocação autêntica e integral desta aventura sem par esquecendo ou minimizando qualquer destes vultos.
O Padre José Patrão, no notável artigo que já referimos, deixa um testemunho final incontornável acerca da importância do primeiro:
Hoje, falar das Tapeçarias de Portalegre é falar de Manuel do Carmo Peixeiro, da sua história interior, pessoal, artística… associada a coincidências humanas. Não existe nada isolado.
A série de coincidências, natural caminho das grandes empresas, tem no seu início este Homem, vindo de longe, como outros Homens que o acompanharam na sua aventura, com a ambição de criar e servir em explosões de alegria e arte.
Coincidências realizaram o “milagre” de transformar o pequeno grão numa esplendorosa árvore, cujos frutos estão, hoje, espalhados por todo o mundo.
Não foi intuito meu, repito, escrever sobre a história das Tapeçarias. A Manuel do Carmo Peixeiro, ilustre portalegrense adoptivo, espírito criador e artista, à sua memória, prestígio e valor se deixam estas linhas (fios) tecidas à volta da teia dos seus dias, dados à aventura, beleza e generosidade sacrificada, a quem amou a Vida e o que ela tem de mais belo.”
Manuel Peixeiro, para além da sua casa em Portalegre, manteve uma outra em Oeiras, onde residia por longos períodos. Tinha uma elevada estima pelas suas casas que revelavam o seu espírito criativo.

 

A partir de 1957, as suas estadias em Oeiras intensificaram-se, aqui vivendo quase ininterruptamente durante sete anos, primeiro na vivenda n.º 1 da Vila Carlos Costa, em Santo Amaro de Oeiras, e depois na Rua da Bela Vista, n.º 5, em moradia que mandara edificar a seu gosto. Aqui se encontrava ainda, há alguns anos, o tear manual, que em Portalegre e em Marvão fora seu inseparável companheiro de ensaios, sonhos e projectos.
Maria de Lourdes, a sua dedicada esposa, ali morreu, em 24 de Maio de 1962. Manuel Peixeiro, a quem o coração já vinha atraiçoando, sofreu assim mais um rude golpe.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 6

VI – A descoberta

Com data de 24 de Janeiro de 1949, em Lisboa, numa longa e pormenorizada descrição técnica, é solicitado ao Serviço de Invenções o registo da patente do processo de fabricação de tapeçarias murais decorativas. Tal é concedido a Manuel do Carmo Peixeiro, sob o n.º 27/16. O preâmbulo é bastante esclarecedor sobre o grau de inovação atingido. Daí se transcreve, parcialmente:
Na tapeçaria mural decorativa, procura-se obter um tecido em que uma das faces apresente uma superfície lisa constituída pela trama empregada e, dando a esta colorido variado, obter desenhos e efeitos decorativos. Em todos os tecidos até hoje conhecidos, incluindo os de gaze e com excepção de alguns aveludados, desde os mais simples aos mais complexos, os fios da trama e da teia evolucionam entre si por meio de cruzamento ou encadeamento. Do mesmo modo, todas as tapeçarias murais decorativas até hoje fabricadas não têm saído dessa regra e geralmente são em ponto de tafetá. Segundo a presente invenção, obtém-se um tecido semelhante ao ‘cannelé’, com um carácter absolutamente original, graças ao emprego de duas tramas, sendo uma que se designará ‘de ligação’, em ponto de tafetá, e outra que se designará ‘decorativa’, cujos fios contornam e envolvem os fios da teia, em vez de se cruzarem com eles.
Os sublinhados pertencem ao próprio requerimento original e definem a profunda diferença em relação aos processos tradicionais, que o texto depois pormenorizadamente descreve, através de minuciosas figuras alusivas. As reivindicações finais, igualmente exaustivas, completam o processo pelo qual Manuel Peixeiro obteve o reconhecimento oficial da sua invenção.

 

A crónica seguinte é uma história convergente entre o sonho e a realidade. As tapeçarias portalegrenses começaram a ganhar estatuto de qualidade e de individualidade própria. A sua divulgação pública, embora ainda não em exclusivo, aconteceu em Maio e Junho de 1949, com uma exposição realizada na Sociedade Nacional de Belas-Artes, onde figuraram três peças criadas em Portalegre.
Neste contexto, não deixa de ser curioso que num alargado artigo de nove páginas, da autoria do jornalista local Casimiro Mourato, inserido na revista Portugal Turístico – Cidades e Vila do Império n.º 3, volume 1.º, dedicada a Portalegre, em Setembro de 1948, apenas exista uma insignificante referência à nascente manufactura. Descrevendo a indústria local, o articulista escreveu:
A indústria portalegrense é notável: rolhas e cortiça comprimida, e lanifícios (duas velhas e acreditadas indústrias locais), tapetes e tapeçarias, sedas, refrigerantes, mosaicos, canastras e cestas, cantaria, cimento armado, pimentão, moagem, reparação de automóveis, carpintaria e marcenaria, malas, serralharia, azeite, tijolos, sapataria, alfaiataria, modista, torrefacção de café, etc. Existem também duas indústrias de grande fama e sabor retintamente regional: a dos doces, sobretudo de amêndoa, recordação adorável das freiras dos conventos da cidade, e a de salsicharia.”
Com efeito, seria difícil prognosticar, naqueles tempos, a excepcional dimensão que a recente empresa iria atingir…

 

Em compensação, José Régio, amigo de todos os principais intervenientes no processo, publicou em 20 de Agosto de 1952 um primeiro artigo alusivo à nossa tapeçaria. Foi no jornal O Primeiro de Janeiro, do Porto, que ele escreveu:
Muito me regozijo eu em verificar o interesse que a Tapeçaria portuguesa está despertando. Até particularmente me regozijo com o ter nascido em Portalegre, cidade a que já me sinto ligado por muitos anos de convivência. (…) Aqui virá, pois, a lume o nome de Manuel do Carmo Peixeiro, – nome que também convém apareça nos jornais e outras publicações, pois é o do criador da Tapeçaria portalegrense; isto é: da Tapeçaria nacional. Foi Manuel do Carmo Peixeiro quem teve a ideia, e longa e persistentemente sonhou o primeiro sonho, de criar uma tapeçaria nacional. Ele quem, neste intuito, empreendeu e levou avante os primeiros estudos que já vêm de longe. Ele quem inventou e registou o ponto em que são executadas as tapeçarias de Portalegre, e que já estrangeiros reconheceram como originalmente português. Ele quem recorreu a João Tavares, artista já conhecido por distinto como aguarelista, para a execução dos primeiros cartões. Ele quem escolheu lãs, estudou tinturas, adestrou as primeiras operárias suas colaboradoras, venceu as primeiras e não pequenas dificuldades dum empreendimento de tal novidade, procedeu, em suma, a todos aqueles trabalhos técnicos sem os quais nenhuma indústria artística existe ou vinga. Ele quem, depois de João Tavares, convidou para lhe executarem cartões Martins Barata, Manuel Lapa, Ventura Porfírio, Jorge Barradas, Almada Negreiros, Júlio Pomar, Lima de Freitas, Maria Keil, Júlio Santos, Rebocho, – e Guilherme Camarinha.

 

Sem o espírito inventivo e empreendedor de Manuel do Carmo Peixeiro, sem o seu entusiasmo, a sua actividade, a sua persistência, os seus conhecimentos especializados, ainda hoje não haveria Tapeçaria portuguesa. Fui eu próprio testemunha desse calor, dessa persistência, dessa actividade. Cumpre, também, salientar que João Tavares foi não só o executor dos seus primeiros cartões, como um amigo que o animou e acompanhou nesses primeiros e mais difíceis passos. Cumpre, ainda, lembrar que à família Fino – industriais de iniciativa e gosto – deve a tapeçaria portalegrense quer as suas possibilidades financeiras de existência, quer a expansão que parece ir tomando, e que exige uma bem orientada publicidade. Posto o que, só fico pensando que também às anónimas executantes das tapeçarias de Portalegre, humildes operárias trabalhando, por vezes, em penosas condições, e esmerando-se num ramo em que tudo lhes era novo, se deve, ao menos, esta citação colectiva e grata. Como reconhecer tais coisas é da mais elementar justiça, aqui fica esta breve nota para quando um dia se fizer a história da tapeçaria portuguesa.”

 

O mesmo Régio, em artigo publicado no Diário de Notícias de 31 de Janeiro de 1957, regista mais um passo decisivo na implantação internacional das nossas tapeçarias. Em Uma Tapeçaria Portuguesa numa exposição de Paris, escreveu:
 “A ‘tapeçaria de Portalegre’, imaginada por Manuel do Carmo Peixeiro, encontrou nos industriais da família Fino – particularmente em Guy Roseta Fino – os capitalistas, realizadores e propagandistas, sem os quais teria morrido à nascença; ou estaria condenada a esperar longamente. À diplomacia, actividade e persistência de Guy Fino deve a tapeçaria de Portalegre o incremento que vem tomando, assim como o interesse e protecção que lhe têm dispensado as entidades superiores, por intermédio de repetidas encomendas. Vários já dos nossos melhores artistas executaram cartões para tapeçarias saídas, ou a sair, de Portalegre. Entre tais citaremos Guilherme Camarinha, João Tavares, Júlio Pomar, Manuel Lapa, Renato Torres, António Lino, Botelho, etc.”

 

É interessante registar, a propósito, o conteúdo-tipo da divulgação publicitária que a Manufactura costuma exibir nas páginas de jornais e revistas: Manufactura de Tapeçarias de Portalegre – Tapetes e Carpetes de Lã – Tapeçaria Mural Decorativa executada sob Cartões dos Pintores Contemporâneos com Ponto Original Português – Edifício da Fábrica Real, telefone 414, Parque da Corredoura, Portalegre.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 5

V – Nasce e cresce o sonho…

 A revista Turismo, num número especial dedicado ao distrito de Portalegre, com data de Março de 1947, inclui um texto do dr. Galiano Tavares sobre temática que este bem dominava: Roteiro Turístico de Portalegre. Aqui, num pequeno capítulo sobre Portalegre industrial, o articulista escreveu: “E quanto à fábrica de Sedas e de Tapetes, que só as consequências da guerra tem prejudicado na sua exuberância e progresso, continua em actividade.” A revista ostenta nas suas páginas um pequeno espaço publicitário à empresa Sedas de Portalegre, L.da, fábrica de tecidos de seda, com especialidade em artigos para roupa, dispondo do telefone 46.

 

É neste momento que Manuel do Carmo Peixeiro decide mostrar a Guy Fino o resultado das suas experiências, traduzidas num ponto original, completamente diferente do clássico ponto francês. As amostras que revelou ao sócio do filho impressionaram-no.
Guy Fino ficou contagiado pelo velho sonho do engenheiro têxtil. Mas era um industrial experimentado e sagaz, com os pés bem assentes no terreno. Teve exacta consciência da excepcional dimensão do projecto, tal como valia a pena concretizá-lo. Só uma manufactura com projecção nacional, e talvez mesmo internacional, justificaria o elevadíssimo investimento necessário. Os contactos prévios que fez não foram muito encorajadores. Mas Guy Fino não desistiu.
Os teares da Tapetes de Portalegre Ltd.ª serviram para retomar os ensaios e a adaptação à nova técnica, por intermédio de um grupo muito seleccionado de artesãs, que foram previamente sujeitas a um formação intensiva e específica, em que se empenhou o próprio Manuel Peixeiro. Três artistas, pintores, tinham sido sensibilizados para o arranque, em força, desta arte que se desejava inovadora: Guilherme Camarinha, Renato Torres e João Tavares. Os dois últimos eram professores em Portalegre, respectivamente na Escola Industrial e no Liceu, pertencendo ambos à célebre tertúlia de José Régio e Feliciano Falcão, no Café Central. A honra do primeiro cartão a ser executado pela novel empresa coube precisamente a João Tavares, um aguarelista galardoado. Chamou-se Diana a tapeçaria inaugural, datada de 1947, constituindo desde logo uma experiência bem conseguida tanto no plano técnico como no artístico. A manufactura dispunha então de dez teares e quarenta tecedeiras.

 

A expectativa de Manuel Peixeiro quanto à eficácia do seu ponto ficou assim amplamente confirmada.
É particularmente interessante conhecer o testemunho de Guy Fino sobre o episódio culminante desta aliança, tal como ele o deixou relatado no belo volume 50 Anos de Tapeçaria em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996:

 

Quando com Manuel Celestino Peixeiro (filho) resolvemos recuperar os tapetes ponto de nó que Manuel do Carmo Peixeiro (pai) fizera em Portalegre, eu estava no meu meio: a lã. Quando Manuel do Carmo Peixeiro nos apareceu na fábrica dos tapetes com a sua amostra de tapeçaria, velha de vinte e cinco anos, nascida em Roubaix, três pensamentos me surgiram:
       Que a tapeçaria, que eu bem conhecia de museus e palácios históricos, é a expressão mais alta, a maior homenagem que eu podia fazer à Rainha de todas as fibras naturais;
       Que fazer uma tapeçaria com uma nova técnica era um desafio aliciante, que nada tinha com a facilidade de reprodução de uma técnica existente, tradicional e milenária;
       Que era um novo material à disposição dos artistas nacionis que teriam de estudar connosco as possibilidades técnicas da nova feitura de forma a podermos produzir belas peças de arte. Sem um bom desenho feito a pensar na finalidade, não pode haver uma bela tapeçaria.
E foi assim que de alma e coração me lancei na colaboração com Manuel do Carmo Peixeiro na escolha das lãs, na fiação delas, na escolha dos respectivos títulos (grossuras), torções adequadas, corantes a aplicar na tinturaria, protecção anti-traça e tantas pequenas coisas, mas necessárias. Mas tudo isto era possível por já ser sócio da Fábrica de Lanifícios de Portalegre.
Assim nasceram os primeiros ensaios práticos, com a ajuda do pintor portalegrense João Tavares. Trabalhos de maior volume vieram depois com a colaboração de Almada, Pomar, Manuel Lapa, Maria Keil, Ventura Porfírio, Lima de Freitas. E é nesta altura que chegam as desilusões com o desinteresse de alguns pintores convidados, com as opiniões manifestadas em alta voz, entre alguns pintores, arquitectos, decoradores que fui conhecendo em várias tertúlias de Lisboa e que diziam: uma tapeçaria portuguesa para quê? Quando se quer utilizar ou falar de tapeçaria, é a francesa. Então eu disse-lhes que ia continuar e no dia em que lhes provasse que havia uma tapeçaria portuguesa a Manufactura acabava.
Não desanimei e continuei a lutar por uma tapeçaria portuguesa com o ponto hoje conhecido de Portalegre. Meu Pai também se apaixonou pela tapeçaria e tapeçaria acabada tinha de ser vista por ele. Eram os tempos em que a manufactura acumulava prejuízos. Meu Pai comentava-me que lhe custava ver-me trabalhar na fábrica e o dinheiro que ganhava o ia perder nas tapeçarias, mas que não tinha coragem de me dizer para parar porque ele também gostava. Que teria de ser eu a decidir. A minha decisão estava tomada: provar a viabilidade duma nova técnica e acabar.”

O Distrito de Portalegre de 5 de Julho de 1947 ostenta na sua capa uma interessante e oportuna reportagem:

CINCO MINUTOS DE CONVERSA…

PORTALEGRE INDUSTRIAL

A antiga Fábrica de tapetes entrou em nova fase de desenvolvimento e expansão.

 Data de 1922 e deve-se à iniciativa do conceituado industrial, Sr. Manuel do Carmo Peixeiro, o estabelecimento, nesta cidade, da indústria de tapetes. Passou por várias fases, até que em Setembro de 1946 um grupo de novos cheios de iniciativa e de vontade decidiu dar autonomia e novo incremento àquela indústria, desconjuntando-a da Fábrica das Sedas onde funcionava. São seus sócios os Srs. Guy, Manuel e Francisco Roseta Fino e o Sr. Manuel Celestino Peixeiro que é o gerente da fábrica.
Esta está presentemente instalada na chamada Fábrica Real, antigo Colégio dos Jesuítas e hoje pertença do Sr. Nunes Sequeira.
Lá estivemos, na missão jornalística que nos impusemos, de engrandecer e exaltar o nome desta nossa querida cidade. Recebeu-nos o Sr. Manuel Peixeiro que amavelmente nos atendeu.
– Quais os motivos que o lançaram nesta empresa?
– Além dos mais, acho que uma indústria com nome feito, e há tanto tempo lançada, merece todo o desenvolvimento.

 

– Tem assegurado o funcionamento da fábrica?
– Para início, não falta freguesia, e falhas, se as há, ocupamo-las na confecção de artísticos tapetes para exposições que temos em vista. Pensamos em expor, em Setembro, na Covilhã, seguindo-se depois Viseu, etc. Temos conversações entaboladas com algumas casas estrangeiras, nomeadamente no Brasil e Suiça.
– Quantas operárias ocupa a indústria?
– Para 10 teares, temos cerca de 40 operárias.
– Encontra algumas dificuldades?
– Além das dificuldades inerentes a estes trabalhos, como a morosidade na confecção dos tapetes e do escasso movimento no mercado, pressentimos obstáculos no plano nacional, pela facilidade com que as autoridades competentes autorizam as fábricas de tapetes. Mas esperamos vencer todas as adversidades e conquistar lugar condigno no mercado.
– Tem algumas vantagens sobre os demais concorrentes?
– Tenho. A lã é-nos fornecida pela Fábrica de Lanifícios, o que nos permite fazer uma cuidada e perfeita selecção de qualidade. Conseguimos, pelo mesmo motivo, cores mais sólidas e mais homogeneidade na preparação. São vantagens que o mercado não oferece. Podemos portanto garantir a qualidade dos nossos tapetes.
– Alimenta algumas aspirações?
– A única aspiração que nos domina é o aperfeiçoamento dos nossos serviços e a melhoria das suas instalações. Se tudo
nos correr bem, esperamos mais tarde construir um edifício próprio.
Por deferência do Sr. Peixeiro foi-nos mostrado o ‘stok’ de tapetes destinados a exposições, todos belos na cor, no desenho e na qualidade da lã.
Para serem expostos vai ser adaptado um compartimento contíguo à sala onde se confeccionam os tapetes.
Estava terminada a entrevista que mais nos convenceu do valor industrial de Portalegre.”

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 4

IV – Os Tapetes e as Sedas de Portalegre

 Entretanto, a nossa cidade assistira, em júbilo colectivo, a um mês de Junho de 1938 verdadeiramente excepcional no plano festivo. As Festas da Primavera, aliadas ao VI Congresso Nacional dos Bombeiros, ficaram ainda associadas à inauguração do Miradouro e à implantação dos painéis de azulejos decorativos, a uma grande exposição-mostruário da actividade do concelho e do distrito, a uma tourada, a um rallye automobilístico, a fogo-de-artifício, a concertos musicais e a um sem-número de actividades desportivas e recreativas de cariz popular. Porém, a responsabilidade maior no êxito do vasto programa cabe quase por inteiro ao dr. Galiano Tavares, com influente participação artística do dr. João Tavares. Manuel Peixeiro, que exporá as suas apreciadas produções -sobretudo as sedas e os tapetes- não dispõe no evento duma intervenção organizativa ao nível dos mencionados responsáveis.
Já em 1940, para participação na grandiosa Exposição do Mundo Português, em Lisboa, coube a Manuel Peixeiro a concepção do Stand Alentejano, que foi muito apreciado.
Uma década depois, este seu sentido artístico e criativo proporcionar-lhe-ia um èxito público similar, ao organizar o Pavilhão de Arte Popular incluído nas grandes comemorações levadas a cabo em Portalegre, por altura das suas Festas Centenárias. Neste pretexto, deve-se-lhe ainda a original ornamentação da Sé Catedral, coberta com sedas de sua fabricação.

 

Ao mesmo tempo, no tal pequeno tear que construíra e que praticamente nunca abandonava, Manuel Peixeiro ia desenvolvendo as suas experimentações, tanto em Portalegre como em Marvão, a partir dos pontos clássicos e tradicionais que constantemente adaptava e modificava, na ânsia de criar algo de novo… e melhor. As amostras que foi tecendo e coleccionando dão conta dum labor sistemático e traçam, simultaneamente, um percurso evolutivo. A certa altura, tinha atingido a meta que há muito vinha prosseguindo. O segredo parecia-lhe agora simples, mas tinha consumido meia vida para o dominar. A técnica que descobrira consistia no cruzamento simples dos fios da teia, vertical, com os da trama, horizontal, alternando os fios pares com os ímpares. Assim, o envolvimento completo dos fios da teia pela trama decorativa permitia desenhar, ponto a ponto, as manchas de cor e os precisos contornos, de modo a reproduzir com rigor as tonalidades e as texturas mais delicadas.
O espírito inventivo de Manuel Peixeiro, aliado a uma persistente coragem e aos sólidos conhecimentos técnicos adquiridos, tinha triunfado. O ponto de Pedra tornara-se o ponto de Portalegre, o ponto português!

 

Mas não deixaria de ser irónica a circunstância de o contexto lhe ser então desfavorável. Os tempos da guerra entretanto desencadeada tinham agravado as condições de sobrevivência das suas empresas, a tal ponto que Manuel Peixeiro chegou a encarar a hipótese de emigrar para o Brasil. Mas a familia de sangue e a outra, a dos operários que de si também dependiam, levaram-no a resistir e a ficar.
A subsistência dos seus colaboradores, os operários, era de tal modo por ele respeitada que chegou a sacrificar bens pessoais para que nunca lhes faltasse o seu salário, a “féria”, como era denominada ao tempo a compensação financeira da prestação de trabalho.
O seu sonho parecia portanto adiado, sem prazos. Pormenor bem revelador desta crise é um pequeno anúncio inserido no Boletim do Desportivo (número único, comemorativo do XX aniversário do Grupo Desportivo Portalegrense), relativo a Julho de 1945. Aí pode ler-se:
SÊDAS DE PORTALEGRE, LTD. – FÁBRICA DE TECIDOS DE SÊDA – TELEFONE QUARENTA E SEIS – PORTALEGRE, espera poder, em breve, recomeçar a fabricação das suas afamadas sêdas naturais para roupa de senhora e camisas de homem.

 

Porém, em 1946, tudo mudou.
Um filho de Manuel Peixeiro, Manuel Celestino, tinha ingressado na aeronáutica mas sofrera um grave acidente de avião que lhe interrompeu a carreira com que sonhara. Em Portalegre, procurou Guy Fino, seu amigo e antigo colega no Liceu local, para lhe propor um negócio conjunto.
Guy Fino, covilhanenese como o pai, era então aqui empresário num ramo próximo dos lanifícios. Escutou o amigo, que lhe propunha algo no domínio da serração de madeiras. Rejeitando esta hipótese, Guy Fino discutiu com Manuel Celestino outras oportunidades mais convincentes. De conversa em conversa, de sugestão em sugestão, chegou um momento em que ambos ficaram sensíveis ao eventual renascimento da indústria dos tapetes de ponto de nó, que nos anos 20 tinha atingido localmente algum êxito.
Assim, combinados os pormenores do negócio, foi constituída entre ambos a firma Tapetes de Portalegre, Ltd.ª, oficialmente concretizada a 26 de Setembro de 1946.

 

Após a realização de alguns ensaios na antiga Fábrica das Sedas, onde ainda estavam montados os velhos teares, estes foram transferidos para novas instalações, no amplo edifício da Fábrica Real, à Corredoura. Foram devidamente aproveitadas as sinergias locais, sobretudo as proporcionadas pelo apoio do Francisco Fino Ltd.ª, onde o acesso às diversas qualidades de lã necessárias e, sobretudo, ao indispensável serviço de tinturaria, se verificou de extrema utilidade para a nascente indústria. A boa aceitação pública concedida às diferentes categorias de tapetes colocados no mercado permitiu o êxito inicial da manufactura, cuja produção assentava nos tipos tradicionais: o Esmirna, o Argélia e o Alentejo, sobretudo.
No entanto, a concorrência revelou-se feroz e colocou no mesmo mercado produções a preços de combate, ainda que relativas a uma qualidade nitidamente inferior. Assim, a empresa local entrou num período de grandes dificuldades de sobrevivência, porque se recusou a reduzir a qualidade, seu timbre de honra.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 3

III – Ao serviço da comunidade

Continuava Manuel Peixeiro incansável nas suas persistentes pesquisas no universo dos pontos da tapeçaria, espécie de Santo Graal entre os seus objectivos profissionais e artísticos de vida. A 1 de Setembro de 1928, ele registará a Fábrica Sedas de Portalegre, mais uma etapa nas suas sucessivas iniciativas empresariais sempre em torno dos tecidos e do têxtil.
Mas a “fábrica das sedas”, tal como na designação popular passaram a ser conhecidas aquelas instalações, não teve o êxito esperado. A lenta aproximação de nova guerra mundial ocasionou falhas no abastecimento da matéria-prima, enquanto dificuldades de financiamento agravaram a situação.

 

No entanto, apesar do crescente e preocupante agravamento da situação laboral, ele foi sempre dominado pelo seu objetivo de investigar e inovar na arte tapeceira.
Porém, deve salvaguardar-se daqui o pleno êxito da produção de sedas naturais, do ponto de vista da sua qualidade. Esta era tal que, nas melhores lojas de Lisboa e do Porto, eram vendidas como estrangeiras, assim sendo “valorizadas”. Esta habilidade comercial desgostava profundamente a Manuel Peixeiro, por revelar a falta de confiança na produção nacional e um certo desprezo pela sua própria competência profissional.
Adquirira entretanto uma pequena casa em Marvão, para onde deslocava sempre que podia fazê-lo, por ali encontrar um ambiente de calma e descontracção, propício às suas longas e persistentes investigações e aos ensaios práticos de variantes de pontos, num pequeno tear manual que sempre o acompanhava. Escreveu o padre José Patrão, a propósito desta casa:
 “Tive alguns encontros com Manuel do Carmo Peixeiro, em Marvão, na minha juventude. Aqui tinha uma casa que ostentava na fachada a reprodução de uma inscrição paleocristã, descoberta a poucos quilómetros de Marvão. Não sei porquê, associei, na altura, a solicitude em colocar aquela reprodução em lugar destacado a um Homem que vivia ‘as coisas do espírito’, alguém fora do comum dos homens, incapaz de ignorar os valores humanos. Quando o conheci, depois, seus olhos, seus gestos revelavam bem a sensibilidade, a cultura, o criador original que experimentava a urgência de encontrar, a cada momento, um suplemento de alma. Uma visão que me ficou, mas que, em certa medida, se ajustava à pessoa de Manuel do Carmo Peixeiro.”

 

Entretanto, em 1929, nascera-lhe uma outra sua filha, Maria de Lourdes, que virá a casar com o arq.º António Cruz Homem, personalidade nascida no Crato que Portalegre bem conhecerá e estimará, pela sua actividade profissional e por ter sido competente professor na Escola do Magistério local.
A partir do início de 1938 vai encetar-se um novo capítulo na vida de serviço público de Manuel Peixeiro. Contrariando as múltiplas ocupações, e preocupações, da sua ocupação profissional, ele aceita integrar um executivo municipal.
A acta da sessão preparatória da Câmara Municipal de Portalegre, relativa a 3 de Janeiro de 1938, relata que aí compareceram os senhores António Pires Ventura, tenente Carlos Aberto de Serpa Soares, dr. César Moreira Batista, capitão João António de Almeida Tavares, João Simões Pereira de Lima e Manuel do Carmo Peixeiro, vogais eleitos e empossados.
Por esta mesma acta, a nova Câmara tem conhecimento do ofício da anterior Comissão Municipal de Turismo que apresenta a sua demissão. Acrescente-se que o anterior presidente desta Comissão, o dr. António Raúl Galiano Tavares, tinha revelado uma invulgar dinamismo e deixado obra feita, para além de interessantes projectos em marcha.
Na reunião seguinte, extraordinária, acontecida a 7 de Janeiro, é apresentada uma proposta de distribuição de pelouros, que atribui a Manuel do Carmo Peixeiro os sectores da Urbanização e do Turismo.
Na sessão do dia 13, já ordinária, fica completo o elenco do executivo, pela presença do dr. Afonso José Leite de Sampaio, nomeado presidente. E, logicamente, é reiterada confiança no vereador Manuel do Carmo Peixeiro como natural presidente da Comisssão Municipal de Turismo, sendo-lhe ainda definidas responsabilidades nos domínios da elaboração do plano geral de urbanização, da apreciação dos projectos de obras particulares, do arranjo de jardins e parques e da propaganda regional.

 

Este normal episódio da sucessão do titular de um cargo municipal deu lugar a um equívoco traduzido nas capas do semanário local A Voz Portalegrense. Com efeito, na edição de 22 de Janeiro de 1938, o jornal diz que “foi reconduzida a Comissão Municipal de Turismo deste concelho que continua, assim, a ser presidida pelo Sr. Dr. Galiano Tavares. Estava tal resolução naturalmente indicada visto que Portalegre se habituou a ver no Sr. Dr. Galiano Tavares o bairrista, o homem de acção, qua à frente daquele organismo tanto tem feito e tanto pode valorizar a nossa região e a nossa cidade.” Precisamente uma semana depois poderá ler-se: “como antes da publicação do novo código administrativo era o sr. dr. Galiano Tavares o presidente da Comissão de Turismo, dissemos erradamente que este nosso apreciado colaborador havia ficado de novo à frente daquele organismo, mas depois de sabermos que o presidente da C. Turismo é sempre o vereador que ali representa a Câmara Municipal, rectificamos o lapso, noticiando que o actual Presidente da referida Comissão é o sr. Manuel do Carmo Peixeiro, elemento de valor em que muito confiamos.” Era assim a imprensa da época…
E a Comissão, com o seu novo presidente, recomeça o trabalho, dando conta, pelos jornais locais, dos projectos em marcha, de onde se destacam o estudo das possibilidades de contrair um empréstimo na Caixa Geral para a construção de um edifício para Pensão, na Serra; a solicitação de um parecer autárquico sobre as tradicionais Festas da Primavera e o Congresso dos Bombeiros a realizar proximamente em Portalegre; o pedido, aos Serviços Florestais, de mais 140 árvores para replantação na Serra; a tomada de conhecimento de estarem em execução os painéis de azulejos destinados ao embelezamento de algumas ruas da cidade; a intenção de restituir à sua pureza primitiva alguns pórticos de casas citadinas que mereçam restauro pelo seu valor artístico, etc.
Foi acarinhado e incentivado o projecto, já na sua fase de ultimação, do novo miradouro na Serra de Portalegre. Mas a cidade vivia com júbilo, e alguma preocupação, a realização do Congresso dos Bombeiros, a primeira realização de âmbito nacional a que Portalegre se atrevera. Dada a escassez de alojamentos na cidade (tal como ainda se verifica!), é lançada uma campanha pública de voluntária disponibilização de quartos para proporcionar aos congressistas interessados. E Manuel Peixeiro é o primeiro duma lista que engloba diversas personalidades locais, como António de Paiva Tavares, Mário e José Forjaz de Sampaio, Jorge Macedo, Manuel Fonseca, Hernâni de Oliveira, Joaquim da Silva, Carita Polido, Hildebrando Amaral, Armando Boavida Malcata, etc.

 

Em Março de 1938 terão chegado a Portalegre os primeiros painéis de azulejos, executados na conceituada fábrica Aleluia, de Aveiro. Estes painéis, patrocinados por empresas regionais, sobretudo do ramo agrário, ainda hoje constituem uma das peculiaridades mais originais e interessantes da cidade, autêntica e permanente exposição ao ar livre de cenas e paisagens de outros tempos.
A Comissão de Turismo, em Abril, dá conta da sua actividade, traduzida, por exemplo, no pedido à Câmara para colocação desses painéis; na organização da próxima Exposição Distrital; na tomada de conhecimento das obras do Miradouro e na decisão de colocar canteiros para flores na Estrada da Serra e de vasos decorativos na Fonte dos Amores; na construção de mais um troço da estrada para São Mamede; na preparação das Festas da Primavera, etc.
Porém, a multiplicidade das tarefas exigidas a Manuel Peixeiro, em acumulação com a difícil gestão das suas empresas, leva-o a solicitar, na sessão autárquica de 25 de Abril, a concessão duma licença “pelo maior prazo de tempo possível”, por motivos de falta de saúde e afazeres da sua vida particular. A Câmara, por unanimidade, concedeu-lhe uma licença por sessenta dias, o máximo regulamentar.
Na sessão ordinária seguinte, a 2 de Maio de 1938, ele foi substituído por Miguel Albuquerque de Azevedo Coutinho, bancário e proprietário local.
Quase um ano depois, a acta da sessão de 13 de Fevereiro de 1939 contém uma exposição do presidente que considera a mudança de residência do vereador César Moreira Batista e a falta de saúde do vereador Manuel do Carmo Peixeiro, para os fazer substituir, oficialmente, pelos senhores Jorge dos Reis Nunes e Miguel de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
César Moreira Baptista mudara-se definitivamente para a Grande Lisboa, distinguindo-se mais tarde como presidente da Câmara Municipal de Sintra, entre 1953 e 1957, onde ganhará a notoriedade que o vai conduzir ao poderoso Secretariado Nacional da Informação (SNI), a partir de 1 de Fevereiro de 1958.

 António Martinó de Azevedo Coutinho

Manuel do Carmo Peixeiro – 2

II – Em Portalegre cidade…

 Manuel do Carmo Peixeiro decidira regressar a Portalegre, pois sabe que aqui poderá encontrar condições para desenvolver o seu sonho e também pelas raízes familiares que criara. Em Dezembro de 1923, já recebera as licenças oficiais para aqui instalar uma nova indústria, dedicada à fabricação de veludos, sedas e algodões.
Em 1925, monta uma fábrica de tapetes, em Portalegre, no sítio do Moinho de Vento, onde hoje se situa o pátio de recreio da Escola Cristóvão Falcão, ao Bonfim. Neste mesmo ano, nasce a primeira filha do casal, Maria do Carmo.
O jornal O Distrito de Portalegre refere o facto de ter sido publicamente exposto um tapete produzido na fábrica. Na edição de 3 de Janeiro de 1926 escreve:
 “UM TAPETE. No edifício, vago para obras, do Banco nacional Ultramarino, tem estado em exposição um lindíssimo tapete, fabricado pelo nosso amigo, sr. Manuel do Carmo Peixeiro, que, como os que tem exposto por ocasião da feira de Setembro, tem prendido as atenções gerais, pelo seu primoroso acabamento, artística distribuição de cores e rigorosa execução. O tapete a que nos referimos pertence ao nosso amigo sr. Henrique de Sá Nogueira e nele se vêem as armas da família Accaioli. O sr. Manuel do Carmo Peixeiro recebe desde ontem as encomendas que queiram fazer-lhe.”
Logo a seguir vai nascer oficialmente a firma Tapetes de Portalegre, Lda., que significa um passo decisivo em termos do futuro. Esta empresa, constituída entre Manuel do Carmo Peixeiro e Eduardo dos Santos, é formada por escritura pública de 22 de Dezembro de 1926, como sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede em Portalegre, e tendo como principal objectivo o fabrico de tapetes. A fábrica dos tapetes, ao Bonfim, fica anexada à nova empresa.
A escritura da nova empresa, como é obrigatório na época, será divulgada nas páginas d’O Distrito de Portalegre, em 23 de Janeiro de 1927, assinalando que a sua gerência será da responsabilidade do sócio Manuel do Carmo Peixeiro.

 

Este período é tempo de certo fulgor cultural, desportivo e cívico na cidade. Abrem cafés e hotéis, realizam-se festividades populares com regularidade, fundam-se clubes desportivos, inauguram-se empresas e edifícios públicos, renovam-se os jardins, arrancam carreiras e ligações de transportes colectivos, são organizadas exposições de diversa natureza, efectuam-se espectáculos teatrais e recreativos, projecções de cinema ao ar livre, assim como concertos musicais públicos, acontecem visitas de personalidades nacionais, enfim, acontece um movimento colectivo de apreciável animação que motiva e abarca todos os estratos da população local.
Quase seguramente, foi por esta altura criada e reforçada a amizade entre José Cândido Martinó e Manuel do Carmo Peixeiro, dados os interesses culturais, embora de distinta natureza, que os ligavam, para além se ambos serem cidadãos com reconhecida intervenção pública no pequeno meio portalegrense.

 

Num texto sobre Portalegre, que o então coronel Lacerda Machado (depois general) escreve em 1926 para a Grande Revista Ilustrada Terras de Portugal n.º 2 (especial) dedicada ao Alemtejo, existe uma curiosa alusão:
No interior (da Sé) são dignos de apreço: (…) os tapetes da mesma capela-mor, de fabrico manual, em estilo Renascença, um dos quais mede 18 metros quadrados, tendo os emblemas heráldicos dos prelados que fundaram, concluiram e sagraram o templo, -executados primorosamente na fábrica do sr. M. do Carmo Peixeiro, técnico têxtil, sob desenho do tenente Lacerda Machado, a quem por melindre de consanguinidade (era filho do articulista) não devo negar a parcela de justiça que lhe cabe.”
Acontecerá um interessante episódio relacionado com aquela tapeçaria encomendada à primeira fábrica local de Manuel Peixeiro pelo Bispo de Portalegre, D. Domingos Maria Frutuoso. Este caso foi superiormente relatado pelo Padre José Patrão na sua obra Portalegre – Fundação da Cidade e do Bispado. Levantamento e progresso da Catedral, Edições Colibri. Por isso, com a devida vénia, aqui fica a respectiva transcrição:
O pavimento da capela mor esteve coberto por uma tapeçaria, desde 1926, obra da primitiva Fábrica de Tapeçarias de Manuel Peixeiro, criador do conhecido ponto português de tapeçaria. Esta peça, precursora da famosa “Manufactura de Tapeçarias de Portalegre”, nascida em 1947 e que se celebrizou, e continua, pela originalidade do ponto deste Artista.
Parte da tapeçaria cobre o pavimento, ao lado, da capela de São Pedro ou das Almas. Adquirida para a “sagração” da Catedral, em 1926, pelo Bispo D. Domingos Maria Frutuoso, exibia os brasões dos três Bispos – D. Julião de Alva, que fundou a Catedral, D. Manuel Tavares Coutinho da Silva, que a aperfeiçoou e D. Domingos Maria Frutuoso, que a consagrou. Este Prelado mandou retirar os brasões da tapeçaria, nos seus escrúpulos, evitando serem pisados. Apenas permaneceram os nomes dos Bispos com as palavras, em latim, que vão sublinhadas. Hoje, na História da Tapeçaria, serve ou devia servir de referência artística, percursora das Tapeçarias de Portalegre.”
Lamentavelmente, este desígnio não se concretizará. A dada altura, décadas depois, um pároco responsável pela freguesia decidiu retirar a tapeçaria substituindo-a por uma outra, industrial, de uniforme cor vermelha escura. A original, dividida em partes, foi distribuída por capelas alheias à Sé, acabando por perder-se sem remédio. A sensibilidade cultural e o respeito pelo valor histórico do património não são aquisiçóes muito generalizadas, mesmo em estratos desejavelmente dotados de tais atributos…

 

Acrescente-se que entre o autor daquele texto, o saudoso Padre José Dias Heitor Patrão, e Manuel do Carmo Peixeiro, se estabeleceria uma relação de profunda amizade e recípocra admiração, que originou, por exemplo, um magnífico artigo –Na pré-história das Tapeçarias de Portalegre – Manuel do Carmo Peixeiro – O Homem-Artista que viveu para a Cidade – O Criador do “ponto português” de Tapeçaria-, da autoria do primeiro e incluído no inesquecível exemplar n.º 1000 do já desaparecido jornal O Distrito de Portalegre, de 27 de Abril de 1984.
Convirá acrescentar ao texto anterior que a tapeçaria ostentava as iniciais (ou logotipo) dos Tapetes de Portalegre e fora executada, como já ficou atrás relatado, com base num desenho (ou cartão) da autoria do tenente Lacerda Machado.

 

A mesma revista turística então referida incluia, sob a forma de anúncio publicitário especialmente dirigido aos visitantes da importante Feira de Estremoz, o aviso/convite alusivo à exposição dos tapetes de Portalegre (os melhores tapetes que se fabricam em Portugal) patente num dos salões da Câmara Municipal local. Mais informava que tais peças se executavam em qualquer estilo, tamanho e feitio, devendo ser pedidas a Tapetes de Portalegre, L.da.

 António Martinó de Azevedo Coutinho